segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A grandeza indiscutível do Flamengo, agora em cifras

Fica cada vez mais difícil para os antiflamenguistas conseguirem argumentos capazes de ofuscar, por um pouquinho que seja, a real posição de liderança e primazia do Clube de Regatas do Flamengo no cenário do futebol brasileiro. Se dentro de campo a parada para eles está definitivamente perdida, com a hegemonia de títulos no Brasil e no Rio, fora de campo as coisas também não vão bem para a turma do arco-íris.

A matéria abaixo, publicada originalmente no Globoesporte.com a partir de reportagem de "O Estado de S. Paulo", coloca o Flamengo como a marca mais valiosa do futebol brasileiro, de acordo com um estudo da consultoria Crowe Horwath RCS. Pelo levantamento, se um sheik árabe pisasse por essas bandas a fim de comprar o Flamengo, teria de desembolsar em petrodólares o equivalente a R$ 568 milhões.

A título de comparação, o trio de ferro paulista – Corinthians, São Paulo e Palmeiras –, mesmo baseado naquela que é, de longe, a cidade mais rica do continente, come poeira atrás do Mengão.

Fazer o que, né...

Ah, já ia me esquecendo: segundo o mesmo estudo, o trio de lata carioca, somado, não vale 60% de um Flamengo. Isso mesmo: Vasco, Fluminense e Botafogo, juntos, estão um pouquinho acima da nossa cintura. Tem que olhar lááááá para baixo.

Precisa dizer mais alguma coisa?

Saudações HEXAgeradamente rubro-negras.

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Marcas de Fla, Corinthians e São Paulo valem, cada uma, mais de meio bilhão
Estudo da Crowe Horwath RCS revela valores das marcas dos 12 maiores clubes do Brasil. Apesar do crescimento, diferença para europeus é grande
GLOBOESPORTE.COM
Rio de Janeiro


Nem adianta perguntar para um torcedor o valor do seu clube. É provável que a resposta seja "não tem preço". No entanto, a marca de cada clube vale, e muito, quando se trata dos maiores do Brasil. Foi o que revelou um estudo da Crowe Horwath RCS, divulgado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. Ainda que longe das assustadoras cifras dos europeus, três brasileiros se apresentam como grandes potências.

1º - Flamengo: R$ 568 milhões
2º - Corinthians: R$ 563 milhões
3º - São Paulo: R$ 552 milhões
4º - Palmeiras: R$ 420 milhões
5º - Internacional: R$ 231 milhões
6º - Grêmio: R$ 214 milhões
7º - Cruzeiro: R$ 139 milhões
8º - Santos: R$ 135 milhões
9º - Vasco: R$ 122 milhões
10º - Fluminense: R$ 109 milhões
11º - Botafogo: R$ 97 milhões
12º - Atlético-MG: R$ 92 milhões

Os dois de maiores torcidas do Brasil, Flamengo e Corinthians, seguidos pelo São Paulo, podem ter como grande fonte de renda suas marcas. Cada uma vale mais de meio bilhão de reais, segundo a pesquisa. O Manchester United é o clube com a marca mais valiosa do mundo: R$ 3.204 milhões.

O levantamento levou em consideração os 12 clubes de maior torcida e número de títulos, de 1971 (início do Campeonato Brasileiro) a 2009. Os avaliados são os quatro grandes de São Paulo, os quatro do Rio, dois de Minas Gerais e os dois do Rio Grande do Sul.

De acordo com o estudo, a evolução nas receitas dos clubes entre 2003 e 2008 foi de 115%. As que apresentaram maior crescimento foram a exploração do marketing e a venda de ingressos. Para chegar aos números finais, foram usadas informações como os dados financeiros, perfil e hábito dos torcedores, marketing e mercado nacional e local. O resultado é baseado em marketing, estádio, sócios e mídia.

Para o futuro, essa arrecadação pode ser ainda maior. Hoje, as marcas dos doze principais clubes valem R$ 1,9 bilhão. Daqui a quatro anos, após a Copa de 2014, o número pode chegar a R$ 3,4 bilhões.

Já de olho no Mundial, o São Paulo espera manter, com seu estádio, a força que o projeta hoje como o terceiro da lista. O Tricolor se aproxima dos líderes graças a uma evolução de 234% em bilheteria e 93% em marketing.

Fonte: Globoesporte.com - http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL1428280-9825,00-MARCAS+DE+FLA+CORINTHIANS+E+SAO+PAULO+VALEM+CADA+UMA+MAIS+DE+MEIO+BILHAO.html

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Vale a pena ler de novo: o tetra do Flamengo, indiscutível hexacampeão brasileiro de futebol

Bom, neste primeiro post após a emoção da conquista do hexacampeonato pelo Mengão, vou abordar justamente a história do... hexacampeonato do Mengão! Mais precisamente do nosso quarto título, conquistado na Copa União de 1987 de forma muito semelhante ao campeonato deste ano: time chegando sem a atenção de muitos, vitórias suadas (algumas improváveis), um ídolo trintão à frente do time e um técnico "de casa" no comando. Isso sem falar na presença de Andrade em ambos os triunfos...

Mas o que quero é tão somente rememorar o autêntico teatro de comédia em que se transformou aquele torneio, que, por imposição da CBF colocada à mesa APÓS (de novo: APÓS) o seu início, culminaria com um dos mais esdrúxulos desfechos que o futebol profissional mundial teria notícia: um quadrangular entre os campeões e os vices da primeira e da segunda divisão para averiguar quem seria o real campeão do país. Pode isso? Nem em Bangladesh já se ouviu algo assim.

Evidentemente, Flamengo, Internacional e Clube dos 13 não compactuaram com tamanho disparate. Desde então, todos, do antigo Conselho Nacional de Desportos (então a instância máxima brasileira na área desportiva) à mídia em geral, passando pelas pessoas e instituições de bom senso, tratam o Flamengo como o real campeão de 1987. Mesmo que a CBF estampe em seu site algo diferente disso, falta a ela autoridade para contestar qualquer coisa que se refira à Copa União daquele ano.

Para deixar isso bem claro, reproduzo abaixo um texto excelente publicado há dois anos pela revista Trivela, que rememora todo o imbróglio e elucida várias controvérsias relativas ao ano em que conquistamos o tetra brasileiro. Esta postagem acaba sendo, por assim dizer, uma suíte do que eu já havia escrito e defendido aqui mesmo neste humilde blog no ano passado (leia em http://blogdooldon.blogspot.com/2008/10/taa-das-bolinhas-e-verdade-da-copa-unio_21.html).

Divirta-se, e Saudações Hexageradamente Rubro-Negras.

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Crise, revolução e traição
Postado em 05/11/2007 às 13:13 por Ubiratan Leal

Com o testemunho de 122.001 torcedores que lotavam o Maracanã no fim da tarde de 19 de julho de 1992, o Flamengo empatou em 2 a 2 com o Botafogo e conquistou o Brasileirão. Para o clube, era seu quinto campeonato nacional. Por isso, o capitão rubro-negro Júnior ergueu a Copa Brasil como se tomasse posse definitiva do troféu. Para a CBF, porém, era apenas o quarto título flamenguista e a taça continuaria à espera do primeiro pentacampeão nacional. Diante do impasse, a famosa peça de bolinhas criada pelo artista Maurício Salgueiro foi tirada de circulação e até hoje não tem dono.

A falta de um destino para esse troféu parece uma questão menor, mas dá um bom sinal de como as autoridades até hoje não equacionaram a disputa entre Flamengo e Sport para definir o campeão brasileiro de 1987. Uma história que muitas vezes é reduzida à validade de um cruzamento entre os melhores do Módulo Verde (formado pelos grandes clubes) com o do Amarelo, mas que envolveu briga política, mudança de regulamentos e até traição.

Capítulo 1: CBF em crise institucional

Na metade da década de 1980, já não havia mais condições de manter os Brasileirões inchados, com até 94 participantes. A própria CBF determinou que, em 1987, o campeonato seria reduzido para 24 clubes, definidos pelas posições na segunda fase do torneio no ano anterior. Seria simples, se os problemas não começassem ainda na Copa Brasil 1986.

No final da primeira fase, o Joinville pediu os pontos do empate em 1 a 1 com o Sergipe alegando que um jogador do adversário foi pego no exame antidoping. O CND (Conselho Nacional de Desportos) contrariou a CBF e determinou que os catarinenses tinham a vitória, o que agradou ao então ministro da educação Jorge Bornhausen. A decisão, porém, tiraria da segunda fase o Vasco. A confederação ainda envolveu a Portuguesa na discussão e, para agradar a todos, nenhum desses três clubes foi eliminado. Pior, sob influência do chefe da Casa Civil, o pernambucano Marco Maciel, foram abertas mais três vagas na segunda fase, o que beneficiou Náutico, Santa Cruz e Sobradinho-DF.

A falta de autoridade da CBF para impor suas decisões não era gratuita. A entidade vivia grande confusão administrativa desde a eleição à presidência da entidade no início de 1986. Nabi Abi Chedid e Medrado Dias eram os candidatos e havia a expectativa de empate. Se isso ocorresse, Dias seria eleito pelo critério de idade. Assim, momentos antes da votação, Nabi inverteu a chapa com seu vice Octávio Pinto Guimarães, mais velho que o concorrente. Guimarães venceu por um voto e assumiu a presidência da CBF.

Esperava-se que Guimarães fosse presidente apenas formalmente, pois o comando seria de Nabi. “Cheguei a participar de uma reunião que discutiu se Guimarães deveria renunciar meses depois de assumir”, revela Carlos Miguel Aidar, presidente do São Paulo na época, em entrevista à Trivela. Isso não ocorreu e o presidente eleito resolveu fazer valer seu poder, o que desagradou o vice. Sem comando forte, o poder da CBF se deteriorou rapidamente. Os reveses se acumulavam – incluindo a derrota para Estados Unidos e Marrocos na concorrência para sediar a Copa de 1994 – e até a situação financeira da entidade era delicada.

Capítulo 2: nasce o Clube dos 13

Enquanto a CBF estava à deriva, os clubes já se organizavam para fazerem valer seus interesses. No caso, a maior preocupação era fazer lobby para incluir na pauta da Assembleia Constituinte – que se formaria em 1988 – um artigo que lhes desse autonomia de organização e funcionamento. A campanha foi bem sucedida e a união de clubes ganhou força. Em abril, Flamengo e São Paulo se negaram a ceder seus jogadores para uma excursão da Seleção Brasileira à Europa e tiveram respaldo do CND. Márcio Braga, presidente do Flamengo na época, saiu da reunião que anulou a convocação da Seleção dizendo, triunfante, que era o “fim do autoritarismo no futebol brasileiro”.

Em junho de 1987, Octávio Pinto Guimarães anunciou: “a CBF não tem condições de organizar o Campeonato Brasileiro deste ano”. O motivo era a falta de dinheiro para arcar com as viagens dos times e outras despesas da competição. Sob o risco de ficarem sem a competição que já era a mais importante do calendário, os grandes clubes resolveram tomar as rédeas da situação. “Liguei para o Nabi e perguntei se era sério o que o Octávio falava. Ele disse que era e ‘deu a bênção’ para que organizássemos o campeonato se quiséssemos”, conta Aidar.

O dirigente são-paulino propôs a comandantes de outros times tradicionais a formação de uma associação de clubes para organizar o Brasileirão. Foram convidadas as equipes mais tradicionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Para evitar o rótulo de elitista, também foi convidado um representante do Nordeste, o Bahia. Assim, surgiu a União dos Grandes Clubes Brasileiros, conhecida como Clube dos 13. O presidente são-paulino passou a comandar também a associação.

Capítulo 3: a Copa União ganha forma

Quando foi formatado o novo Campeonato Brasileiro, a intenção foi transformar a competição em um grande produto para o mercado. O principal atrativo era haver apenas confrontos entre clubes de grande torcida. Por isso, não houve critérios técnicos para a definição dos participantes. Guarani e América-RJ, pela ordem, vice-campeão e semifinalista no ano anterior, foram preteridos. “Nossa ideia era romper os vínculos com modelo antigo do torneio, começar uma nova história”, comenta Márcio Braga, presidente do Flamengo. “Priorizamos os clubes que viabilizariam financeiramente uma competição à beira da falência”, acrescenta.

Ainda assim, o Clube dos 13 contava com o apoio da CBF. “A única exigência da entidade para oficializar nosso Campeonato Brasileiro foi a inclusão de mais três clubes de outros Estados”, comenta Aidar. Assim, foram chamados Coritiba, Santa Cruz e Goiás, clubes mais populares e donos de melhor histórico nacional entre paranaenses, pernambucanos e goianos na época. Novamente, não se podia falar em critérios técnicos, pois o Coritiba não era campeão paranaense (perdera o título para o Pinheiros) e fora 43º na Copa Brasil de 1986.

Com participantes definidos, o Clube dos 13 correu atrás de apoio financeiro. João Henrique Areias e Celso Grellet, diretores de marketing de Flamengo e São Paulo, comandaram o projeto comercial. O torneio foi batizado de “Copa União” para ter uma marca que enfatizasse a nova fase do futebol brasileiro e pudesse ser licenciada por diversas empresas. Além disso, a organização obteve o patrocínio oficial de Rede Globo, Coca-Cola e Varig.

A Coca-Cola colocou seu logotipo nas camisas de todos os clubes que não tivessem patrocinadores (apenas Flamengo, Palmeiras e Corinthians tinham contratos a cumprir) e no círculo central do gramado (depois, a Fifa vetou essa ideia e a marca ficou dentro dos gols). A Rede Globo transmitiu o campeonato com exclusividade, com a permissão de passar as partidas na cidade em que eram realizadas. A condição era que, minutos antes de a rodada começar, a emissora fizesse um sorteio de qual jogo seria visto por todo o país (o que gerou a curiosa situação de, em uma tarde com São Paulo x Corinthians e Flamengo x Fluminense, o Brasil inteiro viu Bahia x Goiás, que acabou sendo a despedida de Mário Sérgio).

Capítulo 4: traição, e a CBF volta à cena

A forma como surgia a Copa União deixou vários clubes descontentes. Os líderes do movimento eram América-RJ, Guarani e Portuguesa se sentiam injustiçados, pois teriam direito de estar na elite pelo desempenho no Brasileirão de 1986. “Não dá para aceitar um Campeonato Brasileiro em que os clubes grandes viram a mesa só porque não querem dividir o torneio com ninguém”, brada Homero Lacerda, diretor de futebol do Sport e presidente do clube em 1987. “Os dirigentes de todos os outros clubes sempre foram contra essa atitude autoritária do Clube dos 13 na época.”

O sucesso comercial da competição organizada pelo Clube dos 13 também saltou aos olhos da CBF. Desse modo, a entidade decidiu organizar uma competição com 16 clubes que estavam de fora da Copa União. Usou como critério a classificação do Brasileirão de 1986, apesar de deixar de lado a Ponte Preta em favor do Sport, e conseguiu o apoio do SBT. Depois, a CBF mudou seu discurso e deixou de considerar a Copa União como o Brasileirão. Naquele momento, o torneio dos grandes seria o Módulo Verde e o outro, o Amarelo. Os dois melhores de cada módulo se enfrentariam para definir o campeão nacional.

O Clube dos 13 decidiu boicotar o cruzamento. No entanto, a CBF contou com um apoio de dentro da união de clubes. “O Eurico Miranda era vice-presidente de futebol do Vasco e ficou como nosso interlocutor na CBF”, comenta Aidar. “Ele nos traiu e deu sinal verde para a CBF virar a mesa, mesmo contra a determinação dos outros 12 clubes de não fazer cruzamento com o Módulo Amarelo.” O Clube dos 13 não assinou o regulamento proposto pela confederação, mas já estava aberta a brecha para a confusão.

Os dois torneios caminharam e não se falava em cruzamento. Para a mídia, o título brasileiro se decidia na Copa União. O Flamengo conquistou o torneio ao surpreender o invicto Atlético-MG de Telê Santana na semifinal e ao bater o Internacional na decisão. O Módulo Amarelo teve percalços. Nem a possibilidade de cruzamento contentou América-RJ e Portuguesa, que decidiram boicotar o torneio. A Lusa voltou atrás posteriormente, mas os rubros, de fato, não jogaram uma partida sequer. No final, Guarani e Sport dividiram o título após empate em 11 a 11 na disputa de pênaltis.

Em janeiro daquele ano, a CBF impôs seu regulamento e determinou que seria realizado um mata-mata entre Flamengo, Internacional, Sport e Guarani. Flamenguistas e colorados confirmaram a decisão de boicotar o cruzamento e não compareceram às semifinais. Assim, Sport e Guarani fizeram a final, vencida pelos pernambucanos. As duas equipes representaram o Brasil na Copa Libertadores e foram oficializadas pela CBF como campeão e vice do país em 1987. O CND tinha outra visão e deu o título ao Flamengo. Anos depois, o Rubro-Negro de Recife ganhou o campeonato na Justiça.

Capítulo 5: legado

Não demorou para o Clube dos 13 se aliar à CBF e o movimento não teve continuidade. “Não chegamos a tomar o poder na época por falta de continuidade do caráter político do movimento”, avalia Carlos Miguel Aidar. Hoje, a associação de clubes tem como principal função negociar os direitos de transmissão do Brasileirão.
A confederação voltou a organizar o Brasileirão, apesar de o nome Copa União ter sido mantido em 1988. “A Globo apoiou com força o torneio de 1987 e se sentiu traída pelos clubes no ano seguinte”, afirma o jornalista Juca Kfouri, comentarista da emissora carioca na época e notório entusiasta da Copa União de 1987.

Ainda assim, não se pode dizer que o torneio não deixou seus rastros. A competição organizada pelos grandes clubes teve público médio de 20.877 pagantes, o segundo maior da história do campeonato nacional. Com o dinheiro vindo de patrocinadores, os clubes arrecadaram o equivalente a uma média de público de cerca de 40 mil pagantes. Ficou evidente a demonstração de força dos clubes, que ganharam mais voz nas discussões sobre o destino do futebol brasileiro.

Desde então, o principal torneio de clubes do país passou a prever sistema de promoção e rebaixamento (as exceções foram em 1993, com uma virada de mesa para resgatar o Grêmio, e em 2000, com a criação da Copa João Havelange após a batalha jurídica entre Gama e CBF). “O que era para ser uma revolução se transformou em uma transição, mas não deixou de ter sua importância histórica”, comenta o jornalista Celso Unzelte, pesquisador da história do futebol brasileiro.

O fato de sempre haver um asterisco quando se fala no campeão brasileiro de 1987 não abala o Sport, detentor de direito do título. “Essa confusão toda até foi boa para a gente, pois todos se lembram que somos os campeões de 1987. Ninguém fala no título do Bahia em 1988”, ironiza Lacerda. Para o jornalista Roberto Assaf, autor de três livros sobre a história do Flamengo, o fim da polêmica depende da CBF. “Enquanto a CBF não determinar que o Flamengo também é campeão de 1987, sempre vai se discutir a legimitidade da conquista do Sport.”

E o troféu Copa Brasil? Bem, quando foi criado, em 1975, ele teria posse definitiva do primeiro clube que conquistasse três Brasileirões consecutivos ou cinco alternados. Pelos critérios da CBF, até hoje a peça não tem dono. Pelo Clube dos 13, é do Flamengo. Para não aumentar a confusão, a confederação desistiu da taça, esquecida em um cofre da Caixa Econômica Federal no Rio de Janeiro.

OS ATORES DA PEÇA

Clubes grandes
Estavam dispostos a se unirem para ganhar autonomia e mudar a estrutura do futebol de modo que explorassem melhor seu potencial econômico. Aproveitaram a desistência da CBF em organizar o Brasileirão de 1987 e criaram o Clube dos 13.

Clubes pequenos
Alguns, como América-RJ, Guarani e Portuguesa, se sentiram prejudicados pela falta de critério técnico na definição dos participantes da Copa União e muitos falaram que era uma “virada de mesa”.

CBF
Com presidente e vice que não se entendiam, a entidade estava desgovernada, sem força política e em crise financeira. Não tinha mais condições de segurar a vontade dos clubes de se organizarem por conta própria.

CND
O Conselho Nacional de Desportos foi criado por Getúlio Vargas para regular os esportes de competição no Brasil. Era o meio de o governo interferir no esporte, mas, na metade da década de 1980, o CND era presidido por Manuel Tubino e tinha uma visão mais progressista, incentivando o aumento de autonomia dos clubes. O órgão foi extinto em 1993, no governo de Itamar Franco.

Patrocinadores
Globo, Coca-Cola e Varig viram na Copa União o primeiro Campeonato Brasileiro em torno do qual haveria uma grande mobilização nacional. Assim, apoiaram o Clube dos 13 e criaram diversas ações de marketing específicas para a competição.

UM PARA LÁ, DOIS PARA CÁ

A dança de clubes que participariam do Brasileirão de 1987 foi bastante confusa. Veja como seu time fez parte desse vaivém:

Pela Copa Brasil 1986, os seis primeiros de cada grupo da segunda fase teriam vaga no Brasileirão do ano seguinte. Com a briga na Justiça entre Joinville, Vasco e Portuguesa, a CBF determinou que seriam os sete primeiros de cada chave.

V

América-RJ, Atlético-GO, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Bangu, Ceará, Corinthians, Criciúma, Cruzeiro, CSA, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional-RS, Internacional-SP, Joinville, Náutico, Palmeiras, Portuguesa, Rio Branco-ES, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Treze e Vasco

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Com a desistência da CBF organizar a competição, o Clube dos 13 decidiu realizar seu próprio campeonato

V

Atlético-MG, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco

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O Clube dos 13 ainda convidou as três equipes mais populares de Estados que não tinham vaga na Copa União para tornar a competição mais nacional.

V

Coritiba, Goiás e Santa Cruz

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A CBF decidiu organizar o Módulo Amarelo com os clubes que se classificaram entre os 28 da Copa Brasil 1986 e não estavam na Copa União. Ainda convidou Sport e Vitória.

V

América-RJ, Atlético-PR, Atlético-GO, Bangu, Ceará, Criciúma, CSA, Guarani, Internacional-SP, Joinville, Náutico, Portuguesa, Rio Branco-ES, Sport, Treze e Vitória. Em protesto pela exclusão na Copa União, o América-RJ não disputou o Módulo Amarelo.

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Para definir os 24 participantes da Copa União de 1988 (já organizada pela CBF), foram utilizados os participantes do Módulo Verde de 1987 e dos oito primeiros do Módulo Amarelo. A exceção foi o América-RJ, que ficou com a vaga da Internacional-SP como compensação pelo ano anterior.

V

América-RJ, Atlético-MG, Atlético-PR, Bahia, Bangu, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Criciúma, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Goiás, Grêmio, Guarani, Internacional, Palmeiras, Portuguesa, Santa Cruz, Santos, São Paulo, Sport, Vasco e Vitória

OBS.: reportagem originalmente publicada na edição nº 15 (maio de 2007) da revista Trivela. Na internet, disponível em http://www.trivela.com/Conteudo.aspx?secao=45&id=16544.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Hexa!


DESCULPEM, MAS NÃO HÁ PALAVRAS QUE TRADUZAM COM FIDELIDADE O SENTIMENTO QUE ESSES CARAS AÍ DE CIMA PROPICIARAM A MILHÕES DE BRASILEIROS NESTE DOMINGO, 6 DE DEZEMBRO DE 2009.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Há algo de podre no reino da paulistada

Há algo de podre ganhando corpo na imprensa não-carioca, e que tende a se materializar a partir de domingo, por volta das 19 horas.

Se o script não sofrer alterações sobrenaturais e o Flamengo conquistar o campeonato, uma avalanche de "indignações" dos ditos especialistas, principalmente entre os de fora do Rio, pode se alastrar em rádios, jornais, televisões e na internet.

Pelo pouco que li e depreendi nesta semana em vários sites e blogs, os caras estão moldando um discurso pseudo-ético que tem como objetivo desmoralizar o provável sexto título nacional rubro-negro.

A ideia, se bem entendi, é deixar claro que teremos em 2009 no Brasil um campeão de fato e um campeão moral, cuja carapuça pode caber em cabeças coloradas, palmeirenses ou são-paulinas.

Algo muito próximo daquele discurso da Copa de 1978 criado por Claudio Coutinho, para designar que o campeão da ética e da moral acabou não levantando a taça no último jogo.

No caso deste Brasileirão, os "campeões morais" estariam a quilômetros de distância do Maracanã, bem longe da festa que promete tomar conta do estádio, da cidade e de boa parte do país.

O absurdo tem como estratégia reduzir o possível titulo do Flamengo de domingo a uma espécie de subconquista, forjada muito mais na boa vontade dos outros do que nos méritos nossos.

Um movimento nefasto que promete ressuscitar discursos nazi-paulistas muito usados nos dois últimos títulos brasileiros do Rio (2000 e 1997), quando a queda do alambrado de São Januário e o efeito suspensivo pró-Edmundo foram muito mais importantes, para eles, do que o brilho das campanhas do Vasco da Gama.

Enfim, bastou uma nova conquista carioca se avizinhar que o "entreguismo" vai ser o grande protagonista desse campeonato. Foda-se a melhor campanha, o maior número de vitórias, a artilharia, a arrancada...

O Flamengo não poderá ser campeão na bola. O Rio não pode ganhar como todos os outros ganham. Tem que ser roubado, ponto.

Já estou me preparando para a quantidade infindável de abobrinhas que virá por aí. Ai meus ouvidos!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Achismos

Sobre o campeonato:
Maluco. Insano. Doido. Com um sem números de reviravoltas, ascensões, decepções e surpresas (boas), não dá para prever rigorosamente nada, nem mesmo quando tudo leva a crer naquilo que parece óbvio.

Sobre o Flamengo:
Sereno. Um time plenamente consciente do que precisava fazer e não fazer. Destaque para Zé Roberto, arisco como os antigos pontas. Agora é pé no chão, cabeça no lugar e coração bem dosado.

Sobre o título:
Palpável. Apenas um aparte: para uma equipe que protagonizou experiências de anticlímax sem iguais nos últimos anos, certa prudência e um tonel entupido de caldo de galinha não farão mal algum nesta semana. Estamos (muito) perto, mas ainda falta um.

Sobre as emoções:
Múltiplas. Indo da ansiedade ao nervosismo, passando por confiança, preocupação, alegria e alívio. Uma tarde como a desse domingo evoca não apenas sensações, mas certezas. Uma delas fala sobre como é bom ser Flamengo.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Aos tricolores, de coração

O que o Fluminense está protagonizando há uns dez ou doze jogos, entre Campeonato Brasileiro e Copa Sulamericana, é algo que pode, quem sabe, virar mote para teses de mestrado em psicologia do esporte. Ou talvez para monografias de MBAs em ciências ocultas.

De virtualíssimo rebaixado para a Série B em 2010, o time de repente, assim, do nada, resolveu jogar o que não havia jogado o ano inteiro. E jogando bola, e bem, começou a ganhar.

De um, de dois, de três... Começou e não parou mais.

Venha quem vier, seja o líder do campeonato ou o detentor de melhor campanha no returno, a máquina tricolor vai atropelando um a um.

Já são mais de uma dúzia de partidas nesse embalo alucinante, insano, quase que inacreditável, construído à base de gols nos acréscimos e viradas heroicas.

Vitórias capazes de erguer da cama o mais moribundo dos enfermos, diria um certo tricolor e dramaturgo, que "brincava" de escrever sobre futebol.

Vitórias, acima de tudo, alçadas sob a magia de uma torcida que comparece, apoia, acredita, incentiva e parece, por telepatia, transmitir aos jogadores em campo uma força sobrenatural (de Almeida?). Daí a coisa das ciências ocultas que alguém um dia ainda haverá de explicar...

É impossível afirmar agora, neste momento, se o Fluminense cairá, se permanecerá, se ganhará ou não a Sulamericana.

À parte o desfecho dessa saga homérica digna das lendas mitológicas do mundo do futebol, o tricolor protagoniza um enredo capaz de comover até mesmo alguns rivais rubro-negros, que já andam emotivos com os sonhos da conquista de um certo Brasileirão...

domingo, 15 de novembro de 2009

114 anos de raça, amor e paixão


Neste 15 novembro de 2009 o Clube de Regatas do Flamengo completa 114 anos de existência. Neste mesmo 15 de novembro o time do Flamengo presenteou os cerca de 35 milhões de devotos com uma bela vitória contra o Náutico, no Recife. Ainda neste 15 de novembro, com a vitória em solo pernambucano, o time da Gávea assumiu a vice-liderança do Campeonato Brasileiro, a dois pontos do líder São Paulo, restando ainda nove a serem disputados.

Os flamenguistas não poderiam exigir, nesta data tão querida, presente melhor em homenagem ao Mais Querido do Brasil.

Não sei como vai acabar esse campeonato. Quais serão os clubes rebaixados, quem representará o país na Taça Libertadores do ano que vem, quem terá a honra e o prazer de erguer o troféu de campeão ao final da 38º rodada. Só sei que hoje, neste 15 de novembro, dia tão especial para todos os rubro-negros, o Flamengo disputa o caneco não só com a autoridade de quem já o conquistou por cinco vezes, mas principalmente com a moral de quem apresenta, na prática, o melhor futebol do país no momento. Futebol digno de campeão.

A raça, o amor e a paixão que caracterizam o Manto Sagrado ao longo da sua centenária história podem, mais uma vez, se fazer presentes em mais uma linda conquista. Se Deus quiser.

Amém.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

De "time de chegada" à força dos pontos corridos: chegaremos lá?


O jornalista Juca Kfouri reproduziu esta semana no seu blog um levantamento instigante por muitos aspectos, principalmente para aqueles que, como eu, torcem pelo Clube de Regatas do Flamengo. Baseado nos Campeonatos Brasileiros entre 1971 e 2002 – quando, sob inúmeras variações de fórmulas de disputa, adotava-se o modelo de mata-mata - um colaborador do colunista resolveu fazer um levantamento interessante: quais seriam os campeões antes da disputa das fases decisivas. Ou seja, antes da entrada do mata-mata propriamente dito, na reta final dos torneios. Com isso, teríamos os seguintes campeões brasileiros:

1971 – Corinthians
1972 – Palmeiras*
1973 – Palmeiras*
1974 – Grêmio
1975 – Inter*
1976 – Inter*
1977 – Atlético Mineiro
1978 – Inter
1979 – Inter*
1980 – Atlético Mineiro
1981 – Vasco
1982 – Guarani
1983 – São Paulo
1984 – Fluminense*
1985 – Sport
1986 – Guarani
1987 – Atlético Mineiro
1988 – Vasco
1989 – Vasco*
1990 – Grêmio
1991 – São Paulo*
1992 – Botafogo
1993 – Palmeiras*
1994 – Guarani
1995 – Santos
1996 – Cruzeiro
1997 – Vasco*
1998 – Corinthians*
1999 – Corinthians*
2000 – Cruzeiro
2001 – São Caetano
2002 – São Paulo
* Times que conquistaram o título no respectivo ano

Pois qual não foi a minha surpresa ao constatar que o Flamengo, o grande Mengão da Era Zico, dono de um time de dar inveja a qualquer santista saudoso de Pelé & Cia, não teria ganho um título sequer ao longo dos 32 anos de Campeonato Brasileiro de modelo mata-mata, caso tivéssemos como campeões, em cada ano, os times mais bem colocados nas etapas de classificação – onde, invariavelmente, todos jogavam contra todos. Dos cinco títulos que tanto nos orgulham, ficaríamos a ver navios em todos eles. Dos 12 grandes times do eixo RJ-SP-MG-RS, o Flamengo seria o único a não ter, até hoje, um único troféu de Campeão Brasileiro na sua sala. Sport, São Caetano e Guarani, todos eles teriam conquistado o Brasil ao menos uma vez (o Bugre Campineiro teria chegado lá três vezes!). O Flamengo, nenhuma.

A pesquisa, além de interessante do ponto de vista histórico, valida em dados uma máxima que se tornou muito comum no futebol brasileiro a partir dos anos 80: aquela que coloca o Flamengo como um autêntico "time de chegada". Dentro do raciocínio que envolve esse pensamento, o rubro-negro carioca notabiliza-se não propriamente pela regularidade, pela manutenção de campanhas vitoriosas do início ao fim do campeonato, ou durante a maior parte dele. Ao contrário: o ponto de inflexão do time da Gávea, segundo essa lógica, estaria na força demonstrada nos confrontos diretos da parte final, quando as campanhas das fases classificatórias são ignoradas e inicia-se, na prática, um torneio de tiro curto: o melhor contra o pior classificado em jogos de ida e volta. Lá e cá.

E daí?, você pode estar se perguntando. E daí que esse levantamento empírico, feito mais pela curiosidade do que para provar algo a alguém, mostra, sim, que sempre fomos um time de chegada. Que nunca nos notabilizamos pela regularidade tão essencial que necessita uma equipe que chega ao título máximo do país no modelo de pontos corridos. E que, muito provavelmente, levaremos tempo (muito?) para incutir no nosso DNA essa mudança de paradigma. Ao ver a provocação no Blog do Juca, cheguei a me questionar: será que aquele Flamengo da Era Zico era tão imbatível quanto o mito que se criou em torno dele faz supor? Ou imbatível, na verdade, era a combinação time embalado + Maracanã abarrotado + clima de "deixou chegar..."?

Pensando melhor, não acho que seja assim. Como diria Tim Maia, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Acredito piamente que a qualidade daquela geração é absolutamente incontestável. E não serei eu, rubro-negro com orgulho e amor nas vitórias e derrotas, que ousarei dizer o contrário. Acontece que o resultado final desse levantamento me despertou o interesse justamente por trazer uma prova de verdade para o ditado popular: o Flamengo SEMPRE foi um time de chegada, literalmente. Nunca tivemos as melhores campanhas antes das finais, nem mesmo quando fomos campeões. No entanto, (quase) todas as vezes em que chegamos, ou nos deixaram chegar, ganhamos.

Mas a lógica mudou, e vai permanecer por muito tempo. Na nova ordem dos fatos, não basta mais o embalo das fases decisivas nos jogos de ida e volta, nos quais garantíamos sempre um Maracanã enlouquecido com 130 mil pessoas e um time com espírito matador, moldado à feição para aquele tipo de situação. Agora, um joguinho chinfrim de segunda rodada, frio, sem graça, num gélido mês de maio, pode fazer toda a diferença na disputa final do campeonato, quando, sob o calor de novembro, todo jogo tem cara e clima de decisão, pois vale realmente como uma decisão. Agora não tem mais jeito: é preciso provar em números que se é efetivamente o melhor. Sem mata-mata, ida e volta, lá e cá. É chegar na frente para ganhar. Simples assim. Difícil assim.

Não sei se o Flamengo conseguirá se adequar com sucesso a essa nova mentalidade. Para mim, ainda está mais viva do que nunca a imagem desoladora ao final de um Flamengo 1 x 2 Sport em 1992, quando, depois de mais uma derrota, me perguntava que papel poderíamos desempenhar na fase de mata-mata – que aquela altura, pela nossa posição na tabela, parecia bem distante. A história se seguiu com um desfecho conhecido: ganhamos alguns jogos, nos classificamos, crescemos, aparecemos, chegamos e ganhamos o campeonato. Tal e qual um autêntico time de embalo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Espírito Santa


O time de maior média de público do futebol brasileiro este ano é o Atlético Mineiro, com quase 39 mil pagantes. Nada mais normal, em se tratando de uma torcida fanática e absurdamente incentivadora como é e sempre foi a do Galo.

Espantou-me saber que o segundo time na média nacional (contando as quatro divisões, de A a D) não é o Flamengo, líder disparado de médias históricas de torcidas no futebol do Brasil, ou o Corinthians, outro gigante das massas que este ano já levantou dois canecos, sendo um deles em nível nacional.

O segundo time que mais levou torcedores aos estádios este ano em todo o país é o Santa Cruz, com pouco mais de 38 mil cabeças por jogo.

Esse Santa Cruz é aquele mesmo, de Pernambuco. O mesmo Santa Cruz Futebol Clube que há poucos meses foi eliminado na primeira fase da Quarta Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol, e que por lá permanecerá por mais um ano, pelo menos.

Nada de Flamengo, Corinthians, São Paulo, Vasco, Grêmio ou Cruzeiro. A torcida do Santa Cruz é que é a tal!

Esse dado para lá de singular – em tratando de um time da Série D! –, por si só, suscita mil teses sobre a paixão do brasileiro pelo futebol, seja em que situação for. Ou ainda sobre reações inesperadas de afetividade e compaixão que o ser humano tem em certas situações de desilusão e desespero.

A torcida do Santa, com a sua demonstração inequívoca de amor na tristeza e na doença, como reza a pregação do sacerdote na hora do matrimônio, dá uma prova de que casamentos podem durar até mesmo sob o impacto da mais cruel das intempéries.

Basta ter amor sincero no meio.

***

Em tempo: o grande Santa Cruz começou a disputar, no dia 17 de outubro, um torneio semi-amador no estado chamado Copa Pernambuco, com o único objetivo de evitar o desmonte completo do seu departamento de futebol profissional. O público do primeiro jogo, contra o Vitória local, na casa do adversário, foi de 792 testemunhas, com renda total de R$ 3.600.

***

Bem, o amor com certeza não acabou. Mas talvez tenha tirado férias...

domingo, 4 de outubro de 2009

Tá na cara, tá na capa: o Rio já é 2016!

Pois é, conseguimos. Com a carga negativa de uns, com o azedume pseudo-crítico de outros, o Rio de Janeiro, o Brasil e o povo brasileiro conseguimos aquilo que, há uns oito anos atrás, era um sonho, uma viagem distante: sermos sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Isso apenas dois anos após sediarmos uma Copa do Mundo de Futebol. Os dois maiores eventos do mundo aqui, um atrás do outro.

É evidente que isso significa, na prática, a transferência de responsabilidade para nós. Teremos prazos, metas e desafios numa escala jamais vista para cumprir. Temos condições? Todas. Podemos fazer tudo aquilo que nos cabe com responsabilidade na gestão dos recursos? Também temos, mas aí cabe uma fiscalização direta da população e dos órgãos competentes. Mas temos, sim, condições - disso não tenho dúvida. Condições de fazer, de fato e na prática, as Olimpíadas mais belas da história. O cartão postal está aí, só esperando.

De cara, o Rio já pode contabilizar o primeiro dos benefícios com a decisão do COI na última sexta-feira. O nome da cidade, e me arrisco a dizer que do próprio país, jamais teve a repercussão que teve neste sábado em todo o planeta. Não só pelo ineditismo de os Jogos chegarem à primeira vez ao Brasil e à América do Sul, mas também pela nova imagem que o país tem aos olhos do mundo. Parafraseando a insinuação feita pelo presidente Lula, o velho complexo de vira-latas realmente ficou para trás.

Abaixo, um apanhado de algumas capas de jornais nacionais e estrangeiros deste sábado, destacando com imagens a festa em Copacabana, após a confirmação do Rio de Janeiro Olímpico. Do Rio de 2016, no centro do mundo.




















quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rimas pobres, sentimentos nobres

Numa sexta-feira o Sol raiou mais forte
As ruas e avenidas silenciaram
As pessoas, tranquilas, caminhavam
Esperavam
Só queriam um sopro divino da sorte.

Neste estranho dia tudo ganhou cor
Tez dourada
Era mágica a caminhada
Não havia medo
Temor
Estava desenhado um lindo enredo
O vento conspirava a favor.

Parecia sonho
Talvez fosse
Não, acho que não era
Era o início de algo novo?

O dia acabou
Na derrota, na vitória...
A luz apagou.

Chegamos ao fim.

Esta sexta entrou, sim, para história
Pelas mãos dadas
Pelo sentimento coeso
Por algo que não sabemos se existirá
Tampouco podemos ver como será
Mas que mesmo assim, do nada
Insiste em manter um brilho aceso.

Vencendo ou perdendo
Ganhamos uma esperança.

Crédito da foto: Ernesto Martins

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Um dia estranhamente tranquilo


Hoje acordei num dia estranhamente tranquilo, bonito, azulado. Um dia que em nada lembra o cenário de terror de ontem, no qual jornalistas, policiais e transeuntes eram alvejados em linhas de tiros por traficantes entocados em algumas favelas da cidade.

Imagens exibidas ontem pela Globonews mostraram repórteres, PMs e motoristas se protegendo de rajadas ininterruptas, sendo que alguns não conseguiram a tempo e acabaram feridos pelos estilhaços dos projéteis. Isso em Vicente de Carvalho. No Engenho de Dentro, outro subúrbio, dois seguranças do presidente da Cedae foram assassinados em uma emboscada de possíveis assaltantes, que não roubaram o carro que servia ao executivo. Outras cenas de violência explícita aconteceram na cidade, incluindo um sequestro de ônibus.

A pessoa que lê essas mal traçadas linhas neste momento deve se perguntar: "Qual a estranheza disso tudo, se afinal você está falando de violência e Rio de Janeiro, dois termos quase que sinônimos?". O que me intriga nisso tudo é a forma absolutamente solene como o jornal O Globo ignorou os fatos citados na sua edição de hoje. Na verdade, pequenas reportagens no meio do caderno Rio abordaram en passant os ocorridos, como se se tratassem de uma batida qualquer que atrapalhou o trânsito na Lagoa ou de uma obra inconveniente da prefeitura na Tijuca. Fatos quaisquer.

O Globo, é bom lembrar, criou há alguns anos uma série permanente para as tragédias da violência pública carioca, intitulada "A Guerra do Rio". "A Guerra do Rio" serve para designar assaltos seguidos de morte, guerras entre policiais e traficantes, guerras entre traficantes e traficantes, ações de criminosos nas ruas, mortes com balas perdidas e tudo mais que cabe no espectro da criminalidade urbana de uma cidade como o Rio de Janeiro.

Ontem, depois de assistir estarrecido às cenas pela TV, pensei: "Amanhã o jornal vai manchetar isso tudo, tenho certeza!". Enganei-me redondamente. Nada, rigorosamente nada, na primeira página de O Globo remete a esta quarta-feira de cão. Nem o destaque do caderno de cidade é dedicado à série de sinistros.

O lapso editorial – chamemos assim – do único jornal de alcance nacional sediado na cidade lembra a postura desatenta que sempre marcou a cobertura dos casos de violência na periferia de São Paulo pelos dois grandes jornais paulistas (Folha e Estadão). Estes sempre me pareceram muito mais ligados nas trocas de tiros do Complexo do Alemão do que nas chacinas do Capão Redondo. Talvez por uma questão meramente editorial, talvez por motivações político-empresariais, a imprensa sempre entrou muito mais pesado na roleta-russa da violência urbana do Rio do que na de São Paulo.

Não sei o que pode ter realmente motivado essa súbita e inesperada tirada de pé na cobertura de mais um capítulo do caos social que nos aflige, do Leblon ao Engenhão. Uma pista pode estar nas próprias páginas do jornal da família Marinho – do qual sou assinante já faz mais de década: o destaque dado ao apoio do presidente americano Barack Obama à candidatura de Chicago para as Olimpíadas de 2016 foi bem maior que qualquer caso de violência ocorrido ontem. E o Rio está nessa disputa (com reais chances de ganhar), todos nós sabemos.

Seria esse um caso em que o jornalismo opta pela omissão na abordagem dos fatos na sua real dimensão em prol da busca por algo redentor para o coletivo?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sobre belezas e indisciplinas, por Seu Jorge

O simpático Seu Jorge é o que se pode chamar, à primeira vista, de um típico cidadão do Rio.

Cara de carioca, estilo de carioca, jeitão de carioca, adentrou no cenário musical carioca nos anos 90 em um grupo chamado... Farofa Carioca! Daí em diante sua carreira deslanchou e, já em voo solo, gravou discos respeitados no rol da chamada World Music, além de fazer boas participações em filmes estrangeiros e nacionais – o seu Mané Galinha em "Cidade de Deus" é um dos maiores acertos da excepcional produção de Fernando Meirelles. Recentemente, Seu Jorge ganhou ares de ídolo da MPB, ao gravar com Ana Carolina e colocar músicas em novelas e nas rádios de todo o país.

Sem dúvida, uma elogiável e merecida trajetória de sucesso, de um cara que tem a cara do típico trabalhador brasileiro.

Tudo isso colocado e exposto, digo que Seu Jorge, lamentavelmente, não sabe nada de Rio de Janeiro. Como tantos outros, artistas ou não, ele vê na cidade a cruz que o impediu de progredir na vida com a devida antecedência, limitando-o enquanto ser socialmente produtivo e sonegando-o a chance de se tornar o grande homem que hoje é.

Tiro essas conclusões baseado numa declaração fortuita dada por ele ao Globo, em reportagem publicada na última sexta-feira. Ao comentar sobre a opção por fazer de São Paulo sua morada há cerca de seis anos, ele me sai com a seguinte definição daquilo que se pode chamar de "típico carioca (segundo Seu Jorge, grife-se)":

- São Paulo me educou. O Rio não te convida à disciplina. Andar de bermuda, sem camisa, chinelo... No Rio, o pouco que eu tinha era bom. A cidade me inspira a pegar um violão, não a fazer um CNPJ. Viu o Obina? Emagreceu, voltou a marcar...

É claro, como é que eu nunca pensei nisso antes? Para o povinho indolente de chinelo e bermuda que vive nessa cidade desgraçadamente bonita, capaz de se refestelar sob qualquer céu azul e lançar às favas os compromissos do dia a dia, a única solução é se mandar para São Paulo! Fácil, não? Basta alugar um conjugado de frente para a Marginal Pinheiros, tomar quatros ônibus por dia que lhe consumam pelo menos 1/3 do seu tempo útil, curtir aquele belo visual cinza chumbo e pronto!, sua vida haverá de melhorar. Seu Jorge garante!

Numa boa: ainda que ele não tenha tido a intenção deliberada de taxar isso ou aquilo do que quer que fosse, o que saiu na primeira página do Segundo Caderno de O Globo na última sexta-feira foi uma infeliz visão simplista e redutora de quem mora por aqui e não se deixa levar pela indisciplina. Enquanto ralador contumaz, eu simplesmente repudio essas insinuações recorrentes de que o Rio e o seu povo pagam por suas bênçãos e que o carioca é exclusivamente aquele vagabundo preguiçoso metido a ixperrrto. Minha indignação cresce de forma considerável quando esse tipo de retrato vem justamente de quem carrega o Carioca Way of Life como produto de marketing para concepção de uma persona artística.

Peguemos exemplos – e não são poucos – de paulistas, mineiros, baianos, gaúchos, pernambucanos e outros de tantos lugares diferentes que fizeram o caminho inverso: vieram ganhar a vida no balneário e conseguiram se estabelecer por aqui, em meio a mares e montanhas paradisíacas.

Tony Ramos – para ficar na área artística – nasceu em São Paulo, torce para o São Paulo Futebol Clube e se tornou carioca desde o final dos anos 1970, quando assinou contrato com a TV Globo. Nunca vi, em todos esses anos, uma só palavra capciosa dele em relação a sua terra natal por ela não ter lhe dado a oportunidade de ser o astro nacional que acabou se tornando no Rio. Até porque seria algo de nível avançado de imbecilidade. Tony Ramos fatalmente seria o grande ator que provou ser nesses anos todos em quaisquer outras cidades, bonitas ou não, que tivessem a infraestrutura que tem a Rede Globo.

Por outro lado, me parece igualmente errôneo atribuir sucesso ou fracasso pessoal a quem quer que seja simplesmente ao chão onde se pisa. Se Seu Jorge não conseguiu ser no Rio de Janeiro o profissional comprometido e aplicado que passou a ser em São Paulo é por culpa exclusivamente sua, não da praia ou da cervejinha gelada que refrescam os pobres mortais que por aqui sobrevivem.

Já ouvi esse papo de "a culpa é que o Rio de Janeiro continua lindo..." outras vezes, em ocasiões diversas. No caso do futebol, também citado por Seu Jorge, é comum dizer que a decadência dos nossos clubes é motivada pela eterna sensação de férias permanentes que o Rio provoca nos craques de fora que vêm jogar aqui. Discordo! Coloque do outro lado da Via Dutra as toupeiras que dirigem (sic) os times cariocas e aposto que em muito pouco tempo os gigantes paulistas convalescerão do mesmo mal que apequena os times do Rio. O que me faz crer, de novo, que pouco importa o cenário que emoldura a paisagem.

Com efeito, metrópoles tão complexas e difusas como Rio e São Paulo são compostas por todo tipo de gente, da melhor e da pior espécie. E entre tantas coisas legais que conglomerados urbanos como esses oferecem está justamente a geração em grande escala de inúmeras oportunidades, seja no campo profissional, pessoal, social, emocional... É bom saber que um cara que ralou por tanto tempo, de chinelo, bermuda, pouco dinheiro no bolso e muitos sons na cabeça, tenha se dado tão bem na vida. E para mim tanto faz o local onde se deu o insight para a mudança de rumo. O que me deixa triste é saber que as raízes históricas que o fizeram compor tão bem essa figuraça do bom carioca sejam hoje em dia, para ele próprio, um rascunho mal-compreendido da realidade.

Queria poder encontrar com Seu Jorge num dia desses e, depois da ralação do trabalho, brindar com ele um copo de cerveja no Arpoador, de bermuda e chinelo. Sei não, mas acho que eu conseguiria fazê-lo mudar de idéia em relação aos seus conterrâneos...

sábado, 29 de agosto de 2009

Um sábado de sol, saudades e certezas

O sábado de sol de inverno do Rio, agradável como deveria ser sempre, me trouxe uma notícia triste e uma certeza já no seu fim.

***

A ocorrência entristecedora me abateu assim que soube da morte de Doalcei Bueno de Camargo, locutor de grande tradição e enorme talento que por décadas abrilhantou o rádio esportivo do Rio de Janeiro. Chamado carinhosamente de Dodô pelos colegas do programa "Bola em Jogo" da rádio Tupi – do qual participava todos os domingos –, Doalcei representava uma era de ouro do rádio brasileiro, numa época em que o futebol narrado por esse rádio não era menos reluzente. Da sua voz e através dos microfones que empunhava nasciam gols incríveis, que na rítmica veloz das palavras e na potência dos gritos (não confundir com berros) eram sempre golaços – talvez não tão belos assim para os que os viam sem escutá-los por Doalcei. Juntamante com Waldir Amaral, Jorge Cury, Mário Vianna (lançado como comentarista pelo próprio Dodô), Tércio de Lima, Fiori Gigliotti, Danilo Bahia e outros que já se foram, as tabelas entre Mané Garrincha e Denner ganharão outro colorido na voz do grande Doalcei Bueno de Camargo.

***

Pouco depois, fui lembrado que neste 29 de agosto de 2009, Michael Jackson completaria 50 anos de enormes serviços prestados à cultura pop do século XX. Não se trata propriamente de uma lembrança saudosa, pois a imagem de Jacko ainda está viva nos jornais e na televisão à medida que a polícia de Los Angeles revela os capítulos ainda nebulosos de sua morte. Mas, em meio às descobertas da investigação e ao disse-me-disse das inevitáveis teorias conspiratórias, um detalhe me satisfaz neste post mortem: a garotada (e a coroada) de hoje, enfim, (re)descobriu o gênio chamado Michael Jackson! Essa era a minha maior esperança, que instigadas pelo infeliz desaparecimento da figura humana degradada e desforme na qual ele se transformou há alguns anos, as pessoas que não o conheceram como artista se sentissem provocadas a procurar pelo seu imenso e fantástico legado. Não somente pelas milhões de cópias vendidas desde o fatídico dia, mas, principalmente, por ver crianças, jovens e adultos imitarem o moonwalk e cantarem as suas músicas, fico cada vez mais certo de que a arte de Michael Jackson permanecerá viva eternamente entre nós, mortais.

***

E que os próximos sábados se sol, no inverno ou no verão, nos tragam a sapiência de poder enfrentar os problemas com bom senso.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Jac, a mais bela das telas de cinema


Na primeira vez em que encarei os indescritíveis olhos verdes de Jacqueline Bisset, lembro que fiquei estático diante da TV. Fosse numa sala de cinema, com todas aquelas dimensões superlativas, não sei como reagiria. A figura clássica, naturalmente imponente, um tanto misteriosa, cujo rosto poucos adjetivos podem resumir, me fez pensar algo do tipo "nunca vi mulher mais bonita em toda minha vida!". Isso já faz quase duas décadas, e ainda estou à procura de outro parâmetro de beleza, seja no cinema, seja por aí.

Não há nada ali que seja falso, artificial, imposto ou botocado. O que me instigava nela era a capacidade de sair de um mergulho no mar mais bonita do que entrou, como se fosse numa banheira com sais e essências. A estrela de cinema que ela interpreta muito bem em A Noite Americana, de François Truffaut, é um caso à parte. A figura daquela mulher no quarto ainda de camisola (ou seria um blusão?), pouco depois de acordar, é o estado da arte da beleza feminina. E como Jacqueline Bisset era feminina...

Vi mais alguns filmes dela – todos inferiores a A Noite Americana – incluindo Uma Questão de Classe, em que ela tem um caso com o melhor amigo do filho, interpretado por Rob Lowe, galã maior daquele início de anos 80. Mas a imagem naturalmente sensual e provocativa no filmaço do Truffaut (vale garimpar nas locadoras), irretocável até para o mais exigente dos pintores renascentistas, será sempre a primeira de Jacqueline Bisset que virá a minha mente.

Abaixo, a própria, no auge do esplendor:




domingo, 16 de agosto de 2009

Grandes pensamentos de 140 caracteres - 1

"O futebol carioca merece um minuto de silêncio antes de todos os jogos do campeonato. Faleceu pequeno, pobre e nostálgico. Triste."
twitter.com/OldonMachado

Grandes pensamentos de 140 caracteres - 2

"Enquanto perdurarem os conceitos de lógica e de justiça através dos pontos corridos, o outrora grande Flamengo será um eterno coadjuvante."
twitter.com/OldonMachado

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Os botões do Rei e a ditadura argentina: uma piada

Imagine a cena: milhares de jovens com sangue de rebeldia no rosto, com bandeiras e armas brancas em punho, marchando em bloco em largas avenidas em direção a soldados munidos de cassetetes e escudos. Tudo desenhado para um embate de força e de ideais entre revolucionários e reacionários. Tensão. De repente, um dos jovens puxa uma canção proibida pelo governo local, no intuito de incitar ainda mais seus pares contra a frente militar. Portanto um megafone, ele entoa, num cântico bradado pela rouca voz juvenil:

"Amanhã de manhã
Vou pedir o café pra nos dois
Te fazer um carinho e depois
Te envolver em meus braços..."

A piada me veio à cabeça nesta quarta-feira, quando um fato insólito tornou-se público. O governo da Argentina divulgou uma lista com 150 canções proibidas no país durante os anos de chumbo, e o mundo então descobriu que algumas das maravilhosas pérolas de amor produzidas por Roberto Carlos ao longo da década de 70 eram vistas com maus olhos pelos comandantes vizinhos. As canções de Roberto que ficaram impedidas de tocar na terra do tango durante os anos negros foram "Seu Corpo", "O Progresso", "Os Seus Botões", "Ilegal, Imoral e Engorda" e "Café da Manhã". Eric Clapton, Rod Stewart e Donna Summer (sim, aquela da disco music que cantava "So lets dance!") também não podiam ser ouvidos nas ruas de Palermo e adjacências.

A revelação só reforça a tese – cada vez mais irrefutável – de que toda ditadura, em sua essência, é estúpida nos seus princípios, meios e fins. Nesse caso recém-descoberto, os generais portenhos conseguiam enxergar perigo, ou ameaça, ou rebeldia, ou resistência... nas imagens lascivas eternizadas pelo Rei.

Fico imaginando um sensor trajado de farda e quepe escutando numa sala versos como "No seu corpo é que eu encontro / Depois do amor o descanso / E essa paz infinita...". O cara devia ter intuído:

- Hummm... Então quer dizer que, depois de transar, ele se deita na mulher e fica nessa paz infinita, não é? Mas e se os dois começarem a tramar alguma coisa naquela pasmaceira toda? E se for uma suruba, aí vão ser vários pervertidos tramando juntos! Não, muito perigoso. Proíbe!

No Brasil, as canções românticas de Roberto e Erasmo eram vistas com desdém pelos militares, muito pelo fato de os dois, Roberto em especial, nunca terem sido atores políticos atuantes naquele período. Por outro lado, a grande maioria dos protagonistas da cena musical nesses embates com o governo era cercada e vigiada a cada gravação. É engraçado ver como os militares eram inábeis tanto de um lado quanto de outro. Ao darem de ombros para a "alienação" cantada por Roberto, mensagens de protesto ("Tudo em volta está deserto, tudo certo / Tudo certo como dois e dois são cinco") não tão sutis assim eram ignoradas. Na outra ponta, os próprios alvos recorrentes da censura conseguiam, vez ou outra, mandar suas letras para quem quisesse entender. "Cálice", de Chico e Gil, seja talvez o melhor exemplo disso.

Na lista de músicas de Roberto Carlos vetadas pelo governo autoritário argentino, pode-se dizer que algumas coisas até podem caber num enquadramento proibitivo, se pensarmos com a cabeça de quem quer achar pelo em ovo. Quando um cara qualquer se dá conta de que, vivendo condenado a fazer o que quer, todas as suas escolhas são consideradas ilegais, imorais ou pouco saudáveis, não é difícil ver aí um pessoa cerceada por determinações vindas de cima para baixo. Isso, chegando aos olhos mais atentos da censura, pode ser enquadrado numa crítica ao sistema.

Mas e no caso de "Café da Manhã", o que diabos pode haver de subversivo ali? É só pegar a letra da música para constatar que aquilo é puro deleite de quem acabou ter uma tórrida noite de sexo, sem se importar com nada do que lembre ditadura, movimento armado ou clandestinidade. O cara só estava feliz porque trepou com a mulher, e bem!

Uma dúvida parece sobressair dessa revelação histórica: ou os milicos hermanos são muito mais pudicos do que os nossos ou são mais burros mesmo. Particularmente, aposto nas duas coisas.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Quero morrer pretis se eu tiver mentindis!

"Casa, comida, roupa lavada, três milhão por mês fora o bafo no cangote. Vai ou fiquis?".

Sambista, tocador de reco-reco, agitador de pagode e um dos mais engraçados personagens da comédia brasileira, Mussum, o eterno Mumu da Mangueiris, é uma daquelas figuras que transcendem ao tempo. Meu sobrinho de seis anos, ao ver pela primeira vez suas pirulitadas no DVD dos Trapalhões que comprei recentemente, falava dele no dia seguinte como se fosse uma criança no início dos anos 80, quando estar diante da televisão aos domingos a partir das sete da noite era programa obrigatório pra todo mundo.

O humor do Mussum é de uma linhagem nobre, assinada embaixo por outros gênios como Oscarito e Grande Otelo. Caricato nos trejeitos e no gingado, representa aquele canastrão desastrado que procura um jeito de sair das enrascadas em que ele mesmo se coloca. A graça que deriva dessas situações não morre nunca. Qualquer um que viveu aquela época e que assiste hoje os esquetes dos bons tempos dos Trapalhões fica com uma sensação imediata de "eu era feliz e sabia!".

Ao lado do cearense talhado que sempre procura se dar bem, do mineirinho come-quieto infantil e do paulista que se ferra quando tenta armar pra cima dos outros, o carioca do morro metido a malandro, mas cheio de suingue, fez uma geração inteira de seguidores durante quase 20 anos de horário nobre, o que ajudava também a alavancar as grandes bilheterias do cinema nacional pré-crise. O tema de abertura da orquestra de Zé Menezes, combinada com a vinheta animada, era a senha para algo que as crianças regadas ao Nicks e Cartoons de hoje jamais verão nas TVs a cabo. Talvez aí resida a explicação para a audiência histórica, constante e elevada das infindáveis reprises da dupla Chaves e Chapolin no SBT.

No dia dedicado ao grande Mussum, um dos patronos deste humilde repositório virtual de idéias rasas, proponho um brinde à boa nostalgia, que nos dá orgulho de ter vivido coisas que o tempo jamais apagará da lembrança.

Bota esse mé no copo e vamo bebê, cacildis!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nem Freud explica

Notável a exposição de fatos elencada pelo ombudsman da Folha de S. Paulo no artigo abaixo, que trata da injustificável (embora até explicável) puxação de saco editorial e pública em favor do Ronaldo Fenômeno. Se por um lado mostra uma face oba-oba de quinta categoria da imprensa que tanto se vangloria de empunhar o bastião da imparcialidade na busca pela clareza da informação, duela a quien duela, o texto do jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva deixa uma questão em aberto: a postura "chupa-mas-não-baba" da Folha tem alcance apenas no campo de jogo ou vai além das quatro linhas, fazendo com que a atuação do Gordo na agitada noite paulistana passe ao largo dos olhos sempre tão atentos da redação dos Frias?

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Nem Freud explica

Carlos Eduardo Lins da Silva

A obsessão deste jornal com o jogador Ronaldo desafia qualquer psiquiatra. Já faz mais de sete meses que ele está no Corinthians e a Folha continua a tratar esse acontecimento como se fosse algo comparável à descoberta da cura do câncer ou a chegada do homem à Lua.

No domingo, além da manchete da página D3 para declará-lo “altruísta” por dar passes para colegas fazerem gols, ainda há uma retranca para informar que à tarde ele jogaria pela primeira vez contra o goleiro Marcos. Não bastaram todas as primeiras vezes (jogo, jogo em São Paulo, gol, jogo no Maracanã, jogo em Minas, jogo contra o Cruzeiro, pênalti). É uma coisa realmente de louco.

Na segunda, lá está ele de novo na capa do jornal. A grande notícia é que ele machucou a mão. Pode-se antever o carnaval que agora será feito com a mão esquerda de Ronaldo.

À compulsão por Ronaldo soma-se a mania que o jornal tem de valorizar demais séries e coincidências históricas e estatísticas. Não faz nenhum sentido o título “Estádio do primeiro gol agora pune Fenômeno”, na página D2. Como “estádio pune?”. Foi por causa do estádio que Ronaldo machucou a mão? E que relação pode haver entre o primeiro gol e a suspeita de fratura na mão?

E a coisa não se limita a Ronaldo. A manchete da página é “Obina decreta o pior revés rival em clássico com Mano” diz ela na edição nacional. Na edição SP a construção é menos tortuosa e um pouco mais compreensível, mas a intenção é a mesma: enfatizar que este foi o pior resultado de Mano Menezes como técnico do Corinthians em clássicos.

Mas que importância tem isso? Se o resultado tivesse sido 2 a 0, qual teria sido a diferença? O lide do texto da manchete destaca outra singularidade que não tem a menor importância objetiva: “A cidade que viu o primeiro gol de Ronaldo com a camisa do Corinthians testemunhou ontem a consagração de Obina.” E daí que foi em Prudente que Ronaldo fez seu primeiro gol e Obina fez três?

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Meu mundo caiu

Não há palavras que consigam sintetizar o impacto de determinados fatos para os povos e suas culturas. Por mais complexa e difusa que seja a teia intercomunicante entre as sociedades heterodoxas mundo afora, a chegada de certas notícias implode a possibilidade de uma absorção comum e corriqueira por parte dos meios, de tal modo que um espectro até então desconhecido transfigura-se de imediato numa catarse coletiva, que se faz presente a todos os seres, nos cantos e recantos mais ermos do planeta.

Se me refiro à perda do Rei do Pop, Michael Jackson? Não, é algo anos-luz mais profundo. Preparem-se, porque...

Terra - Após 10 anos de parceria, dupla Serginho e Lacraia chega ao fim

Meus comprimidos, onde estão meus comprimidos!

sábado, 27 de junho de 2009

Momento Michael: um maravilhoso lado B perdido

A partir de agora, e sem qualquer compromisso com periodicidade ou coerência, publicarei aqui algumas coisas menos óbvias do ídolo-mór Michael Jackson. Se servir para alguém se animar a correr atrás da obra maravilhosa que ele deixou pra gente, já terá valido a pena.

Para começar, uma pérola disco-funk típica do final dos anos 70 (mas antes do lançamento de Off the Wall), gravada por ele juntamente com seus irmãos nos Jacksons, já pela Epic. O som é simplesmente delicioso, e a seleção de performances, muito feliz.

Divirtam-se!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Michael Jackson, The King of Pop

O que falar de Michael Jackson, um dos patronos deste blog, no dia de sua morte? O que escrever?

O óbvio incontestável: era, e sempre será, um artista absolutamente único, inigualável e insuperável em se tratando dos seus recordes. Talvez por isso este seja um dia que jamais imaginei que presenciaria.

Ele não era apenas o Rei do Pop, ele INVENTOU o pop, tal como conceito, som, dança, cultura e movimento popular amplamente arraigado na sociedade conteporânea mundo a fora. Sua magnitude não se resume apenas a um momento da carreira, nem a uma fase específica da sua vida. Ele já era genial aos 8 anos, quando Barry Gordy, dono da Motown, se deparou com um talento que, segundo ele próprio cunhou, "só nasce de mil em mil anos".

O crescimento, diferentemente do que muitos supunham, não matou o talento genuinamente infantil, bruto. Pelo contrário, alavancou uma carreira superlativa em todos os sentidos, que teve na vendagem insuperável de Thriller (mais de 60 milhões de cópias) apenas um dos seus marcos. Mas reduzir o seu talento icônico somente aos grandes números é, paradoxalmente, fazer uma análise pequena. Michael compunha, cantava, tocava vários instrumentos, coreografava, dançava, representava, produzia. Tinha domínio absoluto sobre a sua trilha profissional, em tempos de vacas gordas e magras.

É impossível analisar, pensar ou vibrar com Michael Jackson pura e simplesmente com a sua música. Como dissociar uma canção espetacular como "Billie Jean" do moonwalk, o gesto que fez homens e garotos, negros e brancos, nos quatro cantos do planeta, sonharem em ser Michael Jackson por alguns passos? Como escutar "Thriller", a canção, e não lembrar imediatamente do videoclipe que reinventou esta forma de ouvir, ver e consumir música? Dá para ouvir "Black or White" e não se lembrar da série de efeitos visuais inéditos do vídeo, onde as faces de várias pessoas diferentes se fundiam como num passe de mágica?

Não dá sequer para tentar sintetizar em palavras, reportagens, posts ou estudos o tamanho de Michael Jackson para a cultura popular mundial do século XX. O tamanho da sua influência para todas as gerações desde então. Vá ao You Tube e busque por uma música, qualquer que seja. Ela vai falar muito melhor e com muito mais fidelidade do que tudo.

Ele será eterno, não tenho nenhuma dúvida disso.

Fecho com uma consideração pessoal: Michael Jackson foi o maior ídolo que tive em minha vida. Acompanhei, ainda pequeno, as estreias dos seus clipes no Fantástico, e viajava a cada passo, a cada falsete, a cada música. Era como se a tela de TV forjasse diante dos meus olhos um herói irreal, de outro mundo. Lembro da minha estupefação ao vê-lo pessoalmente, ainda que com distância considerável, nas arquibancadas do Morumbi, em 1993. "Cara, eu tô no mesmo lugar que o Michael também está! Não é possível!!!". Coisas de fã...

Espero, sinceramente, que as atuais e futuras gerações que não tiveram a oportunidade e a sorte de conhecê-lo como artista procurem por sua obra. Ouvindo todos os hits produzidos, investigando as coisas mais raras dos seus discos, se surpreendendo com o artista maravilhoso que ele era. Foi assim, ao longo desses anos, que o gênio absoluto de Mr. Michael Joseph Jackson reinou para mim como o maior artísta que já passou por esse mundo. Mundo esse que agora ouve as suas músicas de forma mais triste, menos dançante, um pouco sem voz.

Ladies and gentlemen, with you, he, the only, the King of Pop... Michael Jackson!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

24 horas com Ivete

- Oldinho, acorda amor, tá na hora de trabalhar!
- Pô, Ivetinha, deixa eu dormir mais um pouquinho...
- Nãããão, dorminhoco. Tá na hora, vamos!
- Então me dá um beijinho de bom dia, vai...

Minha relação íntima com Ivete Sangalo começou nesses dias, não sei bem quando. Salvo engano, foi no domingo passado, quando ela me surgiu da lente do Fantástico, em pleno ócio dominical no sofá de casa, mostrando a sua nada humilde residência àquela formosura que atende pelo nome de Patrícia Poeta. Não, minto: antes disso, ela já havia me abduzido à tarde, quando passei o olho no Faustão e a vi falando de flatulência crônica em mulheres grávidas. Mas foi algo muito rápido, nem deu para nós nos aproximarmos direito. Depois, no Fantástico, sempre convidativa, Ivetinha me guiava entre os vários corredores da sua mansão, entrando e saindo de salas, quartos, banheiros e closets, sempre com aquele ar coloquial de quem se acostumou a falar para todo mundo como se estivesse conversando com aquela amiguinha confidente. Ivetinha é assim, íntima e entrona como ela só.

A nossa relação foi evoluindo ao passar das horas e ao correr dos dias. Ela sempre invasiva, sem cerimônias, crescendo e me aparecendo quando eu menos esperava. Se eu ligo no Jô Soares para ver se dá sono, lá está ela, toda pimpona com sua bela barriga prenha. Se vou para o Pânico, tentando achar alguma graça numa noite de domingo – como se fosse possível – ela reaparece, receptiva aos convidados de uma festa a fantasia. Pausa: a imagem de David Brazil travestido de Morticia Adams (ou coisa que o valha), além de não ter graça nenhuma, me deixou numa zona conflituosa entre o medo e a raiva.

Já na cama, preparando-me psicologicamente para a segunda-feira, o que me aparece assim de cara, sem pedir licença, em pleno especial de Roberto Carlos? Sim, ela, a diva-mor onipresente, onipotente e onisciente da música brasileira: Ivete Sangalo! Deu até uma piscadela pra mim, essa safadinha. Cantando como sempre muito bem, ela meio que rege o show, aparecendo no início para dar às boas-vindas à plateia, perto do fim para fazer as considerações finais – Ivetinha foi a única que cantou duas músicas, pois quem pode, pode – e no enceramento, puxando os duetos de Roberto com as outras cantoras. Uau, sem nem perceber eu já me tornei íntimo da maior estrela do Brasil. A gente já está se vendo praticamente todos os dias! Realmente eu tô podendo.

Na segunda-feira, a tragédia. Acordo com uma ligação da minha mãe me relatando as primeiras informações do desaparecimento do voo da Air France. Ainda em choque, meio atônito com mais uma desgraça aérea envolvendo o Brasil, tomo um banho rápido e ligo a TV em busca de notícias. Band, CNN, Record, Globonews, zapeio sem parar. Eis que, quando chego ao canal 19 da Net, vejo em close Ana Maria Braga e seu papagaio conversando animadamente com alguém que não aparece na tela. Ambos, Ana e o papagaio, rasgam elogios à beleza da entrevistada, ao seu carisma e querem saber mais sobre a gravidez.

Num átimo de segundo, cheguei a duvidar que fosse ela de novo. "Não é possível", penso eu, nu em pelo. Sim, era possível. Menos de 12 horas depois de eu ter desligado a TV com aquela fisionomia baiana e faceira na minha fuça, ela, Ivetinha Sangalo, o ACM de saias, retorna do nada a minha residência, mais uma vez pererecando na sua mansão, mais uma vez alegre, mais uma vez falando de seu novo DVD, mais uma vez Iveteando para o Brasil todo ver.

- Oi Ivete, você por aqui de novo. Por que será que eu não tô surpreso?
- Oi Oldon, bom dia, querido!
- Pô Ivete, agora não. Eu tô triste com esse acidente. Outra tragédia com avião...
- Fica assim não, fofo. Faz o seguinte: compra o meu DVD, joga essa mão pra cima e tira o pé do chão!
- Depois, depois...

Não sei quando nem por onde ela vai voltar, mas tenho a mais absoluta certeza que ela vai voltar. Talvez sentada no meu sofá, como na primeira vez. Talvez deitada na minha cama, como na última. Não importa o grau de comoção perante as tragédias internacionais, nem as especulações sobre o andamento da crise econômica mundial, muito menos a discussão sobre a sinistra ameaça atômica da Coreia do Norte. Ela sempre vai estar entre nós. Linda, lépida e fagueira, envolta num vestido colorido e munida de comentários sobre toda sorte de escatologias humanas. Ela, Ivete Sangalo, devidamente acompanhada de seu novo DVD.

Agora imagina quando o(a) herdeiro(a) vier ao mundo:

- Oldon, acorda, meu filho nasceu!
- Porra Ivete, são três e meia da manhã!!!
- Eu sei, mas quem mandou dormir com a televisão ligada!
- Putz...
- Tá, vai dormir, vai. Mas daqui a pouco a gente se vê na Ana Maria Braga e naqueles programas de fofoca matinais. Vou te acordar, hein! Beijos.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Galeão e a “volta” dos que não foram


Muitos dos que criticaram o retorno das rotas domésticas para o Santos Dumont argumentaram que a medida prejudicaria o Galeão, que perderia não só os trechos nacionais para o Centro da cidade, mas também as ligações diretas para outros países. Por este raciocínio, a manutenção da exclusividade dos trajetos domésticos no Tom Jobim seria fator preponderante para o aeroporto recuperar a condição de hub (centro de distribuição de voos) internacional. Mas o que se viu nos recentes anos em que a proibição esteve em vigor foi algo distante disso.

Um dos motivos que levou o Galeão a sofrer com a forte redução do movimento internacional a partir da segunda metade dos anos 90, além dos problemas cariocas, foi a perda gradual da Varig. Durante décadas a empresa gaúcha manteve a base de operações e o hub internacional no principal aeroporto da cidade, alimentando-o com sua vastíssima malha de voos. Nessa época o Rio era conectado diretamente com todos os grandes centros mundiais, além de locais hoje impensáveis como Copenhagen, Bangcoc, Lagos, Barcelona, Montreal, Genebra e Cidade do Cabo.

Desde 2005, quando houve a transferência de linhas do Santos Dumont para a Ilha do Governador, o Rio retomou voos diretos para Londres, Nova York, Madri e Paris, considerados destinos tradicionais da aviação comercial em qualquer lugar do mundo. A questão é que essa retomada não se traduziu na chegada de novas empresas aéreas para o Galeão. As ligações para Londres, Madri e Paris são feitas respectivamente pela British Airways, Iberia e Air France – companhias que nunca deixaram de estar aqui; apenas mantinham escalas em Guarulhos (a exceção da última). De novo mesmo apenas a volta do voo para Nova York pela TAM, que também vai do Rio para Paris, Miami e Buenos Aires.

Por outro lado, a lista de grandes cidades e companhias aéreas que permanecem sem ter voos para o Rio, diretos ou com escalas em São Paulo, é bem mais extensa. Estão entre elas Frankfurt (Lufthansa), Milão e Roma (Alitalia), Zurique (Swiss Air), Amsterdã (KLM), Toronto (Air Canada), Johannesburg (SAA), Los Angeles e Tóquio (JAL) e Bogotá (Avianca). Todas têm ligação com Guarulhos, mas nenhuma com o Galeão – que até quinze anos atrás recebia voos de todas essas companhias, provenientes de todas essas cidades. Em quanto isso, Guarulhos vê o seu leque internacional crescer fortemente, com rotas para Seul (Korean), Chicago (United), Dubai (Emirates), Cidade do México (Aeroméxico e Mexicana), Tel Aviv (El Al) e Istambul (Turkish Airlines).

O que fica claro é que, mesmo com toda a elevação de movimento de passageiros no Galeão nos últimos anos, não houve acréscimo substancial de novas rotas e companhias para o Rio, ao contrário do que vem ocorrendo regularmente com Guarulhos. Por quê?

Porque simplesmente o Brasil não tem demanda suficiente para ter dois aeroportos próximos entre si como hubs internacionais. E já tendo em Guarulhos um hub estabelecido, com enorme fluxo de passageiros, por que as diversas companhias estrangeiras que lá operam haveriam de migrar para cá? Pela simples manutenção de dois ou três pares de voos para Salvador, Porto Alegre ou Goiânia? Será que as centenas de pousos e decolagens internacionais registrados diariamente em Guarulhos se sustentam em função das linhas domésticas do aeroporto, para cidades muito menores que São Paulo.

O fato é que um hub não surge do dia para noite. O que faz de um aeroporto o centro aglutinador de rotas internacionais de um país ou de uma região é a potencialidade do mercado onde ele está instalado, seja no âmbito econômico, demográfico, político ou cultural. A ocorrência de um fator novo, como a realização das Olimpíadas de 2016 no Rio, pode ser um motivador real a atração de uma massa de novos passageiros, rotas e companhias aéreas, mudando o cenário a favor do Galeão. Caso contrário, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro muito dificilmente voltará a ser aquilo que durante anos já foi.