segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Senhoras e senhores, no palco do Canecão..."

Fechou o Canecão, "a casa onde se escreve boa parte da história da música popular brasileira", como mostra(va) uma frase cunhada pelo produtor e bon vivant Ronaldo Bôscoli na portaria principal da famosa e mítica cervejaria carioca. E era isso sim. Mesmo sendo ultrapassado ao longo do tempo em quesitos tipo espaço interno, conforto e aparato tecnológico por rivais como Metropolitan e Imperator, o Canecão nunca perdeu a pose, muito pelo fato de jamais ter deixado de ser aquilo que sempre foi: sinônimo imediato de principal casa de espetáculos da cidade, e do país também.

Numa época pré-show business, ali era o lugar onde as grandes estrelas faziam temporadas de nove, dez meses, ou até mais de um ano. O sonho de todo artista, fosse de qualquer parte do Brasil, popular ou nem tanto, era ver seu nome estampado no enorme letreiro na entrada da casa de shows de Botafogo, com direito a luzes piscando, neon e tudo mais. Poucas coisas eram mais glamorosas (era uma época em que artista de verdade tinha que ter glamour) no meio artístico do que pertencer ao time de artistas de temporada do Canecão. Bons tempos...

No falecido Canecão, que hoje foi lacrado pela Polícia Federal após uma decisão judicial transferir a posse do local definitivamente para a UFRJ (não perca: em breve, mais uma ruína pública perto de você!), eu já vi:

Fábio Jr. aplaudindo de pé o encerramento de um show do Roberto; Tim Maia agradecendo à Brahma pelo patrocínio e pedindo um copo de Antárctica; Elymar Santos, já famoso (na época), simular um coito com uma dançarina; Daniela Mercury fazendo muito bacana da Zona Sul bater tambor com uns meninos do Pelô; o então futuro governador Cabral chorar ao som de "Quem Te Viu, Quem Te Vê" na voz do Chico; Chitãozinho & Xororó levando as mágoas do sertão para o deleite do high society carioca; um dueto histórico do Charlie Brown Jr. com os Fevers; Air Supply derramar sobre a platéia toneladas de açúcar com as suas belas baladas; Gilberto Gil contar "a história da prisão em Florianópolis pelo porte de um cigarro de maconha", enquanto apresentava seu Unplugged; Baby Consuelo sentar-se comigo à mesa achando que eu era outra pessoa só para poder ver a Marisa Monte mais de perto no palco; Double You fazer um dos melhores shows de playback da minha vida; Ivete Sangalo dizer, sebenta de suor, que "nada pode ser melhor que a encoxada de um negão baiano"; o Skank entrar numa vibe estranha de ser achar os novos Beatles e fazer um showzinho modorrento até o público começar a vaiar e eles desfilarem o repertório juvenil velho de guerra; Netinho descer a baiana para fazer um ótimo show vazio de público; Caetano Veloso gastar o castelhano para fazer um péssimo show cheio de público; Maria Bethânia flutuar no palco (quem já viu sabe que ela consegue); o pagode suburbano do Bom Gosto; o canto lamentado de Raimundo Fagner; o pop que todo mundo adora odiar do Guilherme Arantes; as mulheres se esgoelando pelo Fábio Jr.; muita gente cantando, pulando, admirando, chorando, se divertindo...

Vai deixar saudades a velha cervejaria.

PS: Antes que alguém desconfie da minha extrema amplitude em se tratando de preferências musicais, ou da própria veracidade das informações acima, vale uma explicação: durante uns oito anos, a empresa da qual meu pai era gerente, pertencente a um irmão dele, era uma das patrocinadoras do Canecão. Com isso, ingressos para todas as atrações possíveis e imagináveis jorravam lá em casa durante esse período. Daí a grande quantidade de memórias trazidas da casa de shows de Botafogo. Aliás, realmente bons tempos aqueles...