quinta-feira, 18 de abril de 2013

Valerie Carter


A sigla é AOR: "Album Oriented Rock" ou ainda "Adult Oriented Rock". Acho a segunda definição melhor, por expressar com mais fidelidade este subgênero do rock e o que ele se propõe a ser: uma roupagem soft do ritmo, destinada ao consumo de um público pretensamente "maduro" que já não se deixa levar por qualquer tipo de barulho juvenil. Embora transite muitas vezes entre o sofisticado e o meloso, o que se convencionou chamar por AOR encontra raiz nas tradicionais arena rock bands, calcadas no tripé baixo-guitarra-bateria.

O termo apareceu para mim como a designação do som que eu sempre ouvi apenas nesta semana, por meio da reportagem de O Globo sobre o novo trabalho de Ed Motta, intitulado... AOR. O músico e multi-instrumentista carioca conta que se baseou neste tipo de som, característico do período entre a segunda metade dos anos 70 até a primeira metade dos 80, durante a fase de composição das suas novas canções. E cita nomes colados ao AOR Sound que estarão, implicitamente, em seu disco "AOR": Alessi Brothers, Michael McDonald, Toto, Doobie Brothers e especialmente Christopher Cross – segundo ele, fonte de inspiração desde garoto.

A matéria me instigou a voltar a ouvir uma série de nomes que sempre me foram familiares (ainda que, para mim, não eles estivessem reunidos sob o guarda-chuva da tal sigla). Eis que nesta volta às origens me deparei na internet com a figura lindamente intrigante de Valerie Carter. Seu nome, apesar de desconhecido em um primeiro momento, não me era estranho. Um rápido google acendeu a luz: ela é a voz feminina do dueto com Cross em "Spinning", faixa do espetacular disco que marcou a estreia do autor de "Sailing" no mercado fonográfico em 1980. "Ah, então é ela!", pensei. E mais nada. Resolvi correr atrás e acabei me deparando, via YouTube, com um disco simplesmente espetacular.

"Wild Child", de 1978, tem dez músicas é o segundo álbum da norte-americana. Ele revela, do início ao fim, uma cantora de intensidade peculiar, rara hoje em dia. Não propriamente hiperafinada, tecnicamente irretocável, mas com alma. Definição subjetiva e um tanto gasta para separar os acordes ultrafinos e os cantos de extensão exagerada, mas sem um pingo de emoção, das interpretações seguras de si, dotadas de recursos que vão muito além do exibicionismo vocal. Numa comparação rápida e direta: Valerie Carter está para Mariah Carey da mesma forma que Clara Nunes está para Marisa Monte.

O som de "Wild Child" é AOR puro, na veia e no coração. Belíssimos arranjos melódicos, uma ótima banda por trás, linhas de baixos fora do lugar comum, pequenas intervenções-solo de guitarras e saxofones e um tecido harmônico com teclados que definem o estilo. Tudo isso modulado por uma voz sem floreios ou berros insuportáveis. Valerie, de beleza desconcertante, está longe do perfil artístico das atuais divas, cujos clones mal fabricados lamentavelmente se alastram cada vez mais na música pop.

Apesar de estar falando no presente, a Valerie que acabei de descobrir e que tem me encantado dia e noite não existe mais, por óbvio. Trata-se da menina de 20 e poucos anos da segunda metade da década de 70, que gravou dois discos em sequência e que, a partir daí, passou a ter presença diminuta no showbiz, muito mais como backing vocal de diversos artistas consagrados do que com trabalhos próprios. "Wild Child" está fora de catálogo – o iTunes vende apenas o primeiro, "Just a Stone's Throw Away", de 1977 – mas encontra-se disponibilizado na íntegra no YouTube, em áudios de ótima qualidade.

Vale descobrir Valerie Carter, eleita por mim, desde já, a musa definitiva da história do AOR.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

Melodia para quem precisa

Com dois anos de atraso, escutei neste último final de semana o álbum mais recente de Christopher Cross, "Doctor Faith". Acho que a debilidade da produção musical dos dias atuais é, em boa parte, explicada pela simples ausência de músicos que consigam trabalhar minimamente bem com melodias. Esta habilidade, de difícil manuseio para a maioria, aparece naturalmente ao longo da obra deste californiano de San Antonio, como convém aos grandes compositores populares.

Este "novo" disco remete a uma época em que qualidade melódica, por assim dizer, era artigo comum e mandatório não só nas rádios FM e nas produções do mercado fonográfico em geral, mas também no competitivo e estreito cenário do showbiz. Hoje, como se sabe, os requisitos para o sucesso passam muitas vezes bem longe deste item.

Como cantor, o tempo fez bem a Cross: melhorou sua técnica, sempre limitada a uma voz anasalada, e intensificou o seu lado de intérprete delicado, correto e sem exageros. Na parte musical, seara na qual ele se coloca com mais presença, as canções deste trabalho trazem, com maior acentuação folk, as linhas melódicas bem construídas que sempre caracterizaram seus grandes hits.

Entres os bons exemplos estão "November" – cuja suavidade remete à "Think of Laura", do seu segundo disco – e "When You Come Home". Outro momento de destaque é "Still I Resist", juntamente com a faixa-título. Em "Doctor Faith", aliás, Cross retoma a parceria com o amigo Michael McDonald, seu fiador no início de carreira e parceiro nos vocais de "I Really Don't Know Anymore", segundo petardo do arrebatador e multipremiado álbum de 1980.

O som de Christopher Cross – refinado como conceito, leve na sua essência – deve ser saudado sob diversos motivos para os fãs mais chegados. Mesmo para os mais distantes, o trabalho deixa uma sensação de alívio para os ouvidos, em meio a tanto barulho propalado por aí nos dias atuais.