terça-feira, 10 de setembro de 2013

Chiclete sem Bell: a "Terça-Feira de Cinzas" para o Carnaval da Bahia



"Um céu sem estrelas
 Uma praia sem mar
 Amor sem carinho
 Romance sem par
 Carnaval sem festa
 Um jardim sem flor..."

Fosse escrita por um fã apaixonado nesta terça-feira, 10 de setembro de 2013, a letra da música "100% Você" possivelmente teria a inclusão de um novo verso:

"Chiclete sem Bell"

Como assim "Chiclete sem Bell"? "Bell sem Chiclete"? Que papo é esse, meu rei? Como tentar dissociar, na figura expressiva do seu criador, cantor, guitarrista e líder, a única imagem que vem a mente quando se fala da maior banda da Bahia e das maiores do Brasil?

Pois os fãs ardorosos do Chiclete com Banana, imortalizados pela feliz alcunha de "chicleteiros", passarão a noite de hoje e dos próximos dias (semanas, meses...) tentando responder a essas e outras perguntas. Ao derradeiro acorde emitido pelos amplificadores do trio elétrico no dia 4 de março de 2014, finalizando assim o último dia de desfile do bloco Camaleão, estará desfeita não apenas uma parceria de grupo, de amigos e de família, mas a essência de uma legenda imortalizada em décadas de carnaval baiano. Bell Marques estará oficialmente fora da banda que o consagrou como ídolo, artista e empresário. Dali em diante será Chiclete sem Bell, Bell sem Chiclete.

É exercício de redundância explicar a força do Chiclete sobre o caminhão para alguém que já viu a banda em ação nas ruas de Salvador durante a folia momesca. Já aos desavisados, que estreavam no carnaval sem saber muito bem do que se tratava, era sempre muito divertido assistir a reação de estarrecimento quando a banda iniciava as apresentações e carregava consigo, dentro e fora das cordas do bloco, na frente e atrás do trio, a incontável massa de seguidores. Muitos custavam a entender como aquilo tudo funcionava, de onde vinham os gigawatts de energia humana que abasteciam horas e horas de desfile, de que forma aquele sujeito barbudo, um tanto baixinho e de lenço na cabeça conseguia levar a festa tão incrivelmente bem, com tanta segurança e de forma tão harmoniosa.

"Que força é essa?", perguntava Bell Marques numa de suas dezenas de hits. Nem ele sabia dizer.

A saída do vocalista do Chiclete com Banana de sua eterna banda, anunciada oficialmente hoje para surpresa de quase todos, deixa uma enorme lacuna aberta no Carnaval da Bahia, que possivelmente jamais será preenchida por completo. Em quase 35 anos de asfalto e sol na cabeça, o grupo se estabeleceu com sobras no posto de maior e mais importante banda da festa, fato que era comprovado não apenas pelos caros abadás esgotados semanas antes da folia, mas principalmente pela "pipoca" de populares ensandecidos que era carregada do início ao fim do percurso, fosse do Farol da Barra à Ondina, fosse do Campo Grande à Praça Castro Alves – passando pela Avenida Sete.

Um pouco sobre a história da banda e dos rumos recentes (na minha opinião equivocados) tomados pelos gestores do Carnaval de Salvador já foram publicados aqui neste blog, em post de janeiro de 2010.

No emocionado vídeo postado hoje no YouTube, onde anuncia a sua decisão de descer definitivamente do trio do Chiclete, Bell deixa claro que seguirá em carreira solo após o carnaval e que a banda não será desfeita, ganhando assim um novo vocalista. O depoimento não esconde que "desgastes, conflitos e divergência de opiniões" minaram a parceria – artística e comercial – de longa data que ele mantinha com dois irmãos e um amigo (ex-músico da banda). O vídeo parece evidenciar que a ficha ainda não caiu muito bem para o cantor, não só pelas lágrimas e pela voz embargada, mas pela sensação de que ele sai de cena tendo perdido uma batalha interna, que o fez abrir mão da marca e do grupo que o forjou para sempre como um gigante do carnaval brasileiro.

Ninguém sabe como ele reagirá nos dias que marcarão o seu último carnaval carregando o Chiclete com Banana. Será certamente um carnaval muito peculiar para os fãs, que terão de dosar a alegria natural da folia com a triste sensação de “fim de festa”.

Aqui, deixo um depoimento pessoal: já são 14 anos, 14 carnavais em que brinquei ao som do Chiclete no Carnaval em Salvador, dentro dos blocos Camaleão, Nana Banana, Voa Voa e Nana Pipoca. Perdi a conta dos dias e das horas que esse período somado representa, embora guarde na memória (apesar das latinhas de cervejas) um longa metragem composto de cenas e momentos inesquecíveis, memoráveis, que irão sempre comigo para onde eu for. 2014 será o meu 15º e provavelmente último carnaval com o Chiclete com Banana pelas ruas da Bahia. Estou certo de que não haverá pessoa alguma no mundo capaz de substituir o "Bell do Chicletão" no seu próprio grupo, motivo mais do que suficiente para colocar um ponto final nesse meu casamento de tantos anos.

Uma página que vira para ele, para a banda e para mim.

E eu só posso dizer, por tudo o que vivi e por todas as alegrias que senti, que valeu, Bell. Valeu demais.

Foi lindo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto muito bom, mas em 2014 não teremos o Rex, o mesmo foi vendido e o Chiclete tocará em outro trio. Saudações Chicleteiras