quinta-feira, 5 de abril de 2012

Gigante pela própria natureza rubro-negra?


Sou flamenguista e amo meu time. Já chorei e ainda choro por ele, nas alegrias e nas tristezas. Vou chorar ainda, tenho certeza.

Isto posto, nunca me vi impedido, pela paixão, de ver as coisas como elas realmente são, ao menos sob o meu juízo de valor.

Se determinada avaliação sobre o time, o clube, a comissão técnica ou a diretoria não é aquela que eu gostaria que fosse, faço o máximo esforço para não me enganar tentando ver cor-de-rosa onde só há marrom.

Em se tratando do objeto que envolve um sentimento por vezes irracional, irascível na sua essência, é algo mais difícil do que parece à primeira vista.

A ocorrência de mais um vexame protagonizado pelo Flamengo numa Taça Libertadores da América, após derrotas para fraquíssimos times como Olímpia e Emelec (para não lembrar da Copa Sul-Americana em 2011), provocou em mim um turbilhão de pensamentos, a maioria deles imbuído de uma profunda raiva, típica do torcedor apaixonado/decepcionado. Mas, além disso, me fez voltar a pensar sobre algo que já me veio em outras ocasiões aleatórias.

Seria o gigantismo do Flamengo, na sua essência, uma interrogação? A enormidade absoluta que cultuamos como intocável, sempre existiu?

Explico-me, antes das pedradas que possam vir: o Flamengo sempre foi grande, muito grande. Sob influência das emissoras de rádios e posteriormente de televisão, todas de alcance nacional sediadas no Rio, o Flamengo amealhou com o tempo adeptos dos mais variados rincões do Brasil, o que ajudou a formar a maior torcida de futebol do país.

Sempre fomos o time do povo, e a imensa massa adotou o Maracanã como casa, talvez por ser a única que pudesse abrigar a legião incontável.

Os questionamentos acima, portanto, não se referem à grandeza do Flamengo como clube, como marca ou símbolo do esporte nacional.

Falo do futebol rubro-negro.

Do que éramos antes do surgimento da Era Zico, do que passamos a ser com ela e do que somos hoje, anos após o seu fim.

No ano que marca o centenário do futebol rubro-negro, e levando-se em conta toda a grandeza histórica, é possível afirmar, sem ferir o bom senso, que o Flamengo nunca foi um gigante absoluto antes de Zico e companhia.

Ao longo de 67 anos de várias conquistas estaduais e muitos craques desfilando com o manto sagrado nos campos do Brasil e do mundo, nosso maior título conquistado havia sido o Torneio Rio-S. Paulo de 1961.

Ok, os campeonatos estaduais tinham mais relevância naquela época, alguns contavam como grandes conquistas (como os três tricampeonatos), mas já eram, desde o final dos anos 1950 e início dos 60, vistos como torneios locais, menores. Assim é até hoje.

Além do nosso quintal, a rigor, a glória única rubro-negra era mesmo o Rio-S. Paulo de 1961.

Por outro lado, nossos rivais já tinham ido muito além de nós.

O Santos com a avalanche da Era Pelé e seus Mundiais, Libertadores e Taças Brasil (várias); Palmeiras e Fluminense com as Copas Rio (com status de Mundiais), Robertões e Brasileiros; Vasco e seu Sul-americano e Brasileiro; Botafogo, Cruzeiro, São Paulo, Atlético e Bahia abocanhando os Nacionais...

A lista é grande e dimensiona com clareza a carência vivida pelos que já formavam a Nação Rubro-Negra.

Faltava ao futebol do Flamengo um currículo à altura da sua grandeza, o que só viria a ser corrigido pela geração encabeçada por Arthur Antunes Coimbra. Repito: 67 anos depois de o Flamengo começar no futebol.

Algo de sobrenatural e inexplicável tratou de redimir essa injustiça histórica de décadas, forjando num mesmo momento, num mesmo local, um dos maiores times de todos os tempos que o mundo já viu.

E o que se viu, a partir dos anos 1980, foi o Flamengo provocar em si mesmo uma mudança radical de patamar no contexto do futebol brasileiro e internacional.

Ao ganhar uma sequência de Mundial, Libertadores e quatro Brasileiros, aquela geração reposicionava o grande clube, que mesmo sem uma grande performance histórica sempre deteve a maior torcida do país, para o nível dos gigantes do mundo do futebol – agora com currículo, taças e tudo mais.

A Era Zico nos deu o maior Flamengo possível, cujo mais sofredor e fanático torcedor talvez nem sonhasse em ver um dia.

Vou mais além: credito ainda as conquistas da Copa do Brasil de 1990 e dos Brasileiros de 1992 e 2009 àquela geração de ouro, dado que as participações de Júnior (como jogador nos dois primeiros) e de Andrade (como técnico no último) foram absolutamente cruciais para os títulos tomarem o caminho da Gávea.

O que se vê no pós-Zico é outro clube, muito maior e mais representativo – agora não só dentro daquele conceito de grandeza subjetiva, mas em conquistas efetivas – comparado ao que era poucos anos antes.

E o que seremos daqui para frente?

Pois bem, a cada novo baque, a cada decepção internacional ou vexame local, essa questão bate a minha cabeça. Passaremos décadas tentando nos desvincular de um passado majestoso, imponente, mas que parece sombrear cada nova geração como um fantasma a ser batido?

Vale lembrar que o Santos passou por isso anos a fio, desde o fim de Pelé, até formar a turma de Robinho e Diego e, logo depois, de Neymar e Ganso. Voltou a ser um monstro do futebol.

É bem verdade, e isso deve ser registrado, que pelo menos três títulos relevantes foram levantados após a dissolução da Era Zico, sem a participação de nunhum membro daquela saga: a Copa Mercosul de 1999, a Copa dos Campeões de 2001 e a Copa do Brasil de 2006. Todos torneios oficiais, de destaque. Mas o Flamengo que emergiu após do advento do Messias de Quintinho e seus Apóstolos pede mais que isso.

Creio que seja justamente nessa ânsia de se provar enorme como sempre fomos (sempre?) que o Flamengo talvez encontre o seu maior dilema hoje: virar a página de uma fase espetacular e ganhar musculatura em meio ao gigantismo do futebol atual, dominado não só por bons times e craques da moda, mas também por muito dinheiro, estrutura, planejamento, marketing, patrocínios, sócios...

Com as bênçãos de Júnior, Adílio, Raul, Nunes, Leandro, Tita, Andrade, Mozer e do Galinho Zico: o gigante Flamengo deixado por vocês precisa renascer!

Isso vai acontecer, tenho certeza. Não há como voltar atrás e ver o bonde do futebol moderno passar sem que estejamos dentro dele.

A dúvida que fica para mim é se levaremos muito ou pouco tempo para seguirmos em frente.

2 comentários:

Marcio Teixeira de Mello disse...

Sobre o passado, Oldão, estadual valia mais que tudo. Me arrisco a dizer que estadual valia mais do que tudo até pouco tempo atrás (inclusive, o gol de barriga do Renato dói bem mais na gente do que a eliminação para o Peñarol em pleno Maracanã, nas semifinais da Liberta de 82 [sendo que entramos direto nas semi], certo?).

O Flamengo sempre foi grande. Os quatro do Rio têm belas histórias (e colecionam algumas lendas também, tipo esse Torneio Colo-Colo que o sensacional time do Vasco levou em 48) e se equivaliam no quesito conquistas. O desequilíbrio que nos favorece se deve, de fato, ao Fla estar próximo ao povo desde sua criação, ao uso do vermelho e do preto e à Era Zico.

Mas a Era Zico só foi possível por ser o Flamengo o clube em questão. Não foi um acidente. Boa parte dos caras que jogavam com tanta paixão, unindo sangue e cérebro como poucos fizeram, cresceu flamenguista, mas sem uma Era Zico como norte, como inspiração. Viva Dida e sua turma.

Dito isso, concordo contigo. Temos que virar a página e nos adaptar ao hoje. Que esqueçam modelos sensacionais de 30 anos atrás e avencem. O Flamengo é amador em sua essência, e isso não é nada bonito em 2012.

Marcio Teixeira de Mello disse...
Este comentário foi removido pelo autor.