Meu avô e xará Oldon Machado, do alto da sua sapiência de anos de estrada, gostava de dizer: "Não importa quem está certo ou errado: só entre numa discussão se você tiver um bom argumento para usar". Quando se tem dez ou onze anos a frase mais parece um enigma, mas à medida que a barba cresce e as brincadeiras ficam mais sérias, dá para entender o que ele queria dizer.
Tenho pensado nisso nos últimos finais de semana, sempre após o São Paulo dar os seus sólidos e largos passos rumo a mais um título de campeão brasileiro.
Antes do argumento, vamos à discussão: a quase totalidade da crônica esportiva brasileira, dos fanfarrões das rádios AM aos renomados "pensadores", repetem desde os tempos de mil novecentos e Friedenreich que o Campeonato Brasileiro é e sempre foi o mais equilibrado do mundo, mesmo se comparado aos dos grandes centros europeus. E de onde vem o tal equilíbrio? Daquilo que eles eternamente exaltaram como sendo um "nivelamento por cima" – ou seja, da possibilidade de uma dúzia de times poder ser apontada como postulante ao título no início de cada certame.
Se pegarmos historicamente as edições dos campeonatos brasileiros desde 1971, e mesmo nos tempos do Robertão e da Taça Brasil, realmente podemos constatar certa alternância de poder entre os detentores de títulos. Se por um lado sempre tivemos os favoritos de sempre, e que realmente acabaram fazendo jus a tal honraria – cito entre eles Internacional, Corinthians, Palmeiras, Vasco, entre outros – temos times que chegaram lá apenas uma vez, às vezes desacreditando até mesmo os seus torcedores. E aqui dá para citar Botafogo, Bahia, Atlético Paranaense, Fluminense, Coritiba (tendo como vice o Bangu!)... Isso para não citar o Sport, que divide o título de 1987 com o Flamengo.
Pois a partir daqui é que começo a argumentar: o tal do "equilíbrio que só o campeonato brasileiro tem" nunca existiu, de fato, pelo lado dos times. O nivelamento e a conseqüente chance que tínhamos de ver um campeão fora dos padrões sempre veio da fórmula da competição.
A disputa no modelo de fases, que em suas mirabolantes variâncias sempre desaguava em algum tipo de mata-mata, permitia que um time medíocre numa primeira etapa ganhasse corpo e confiança numa fase seguinte, e embalasse de tal forma a conquistar a taça. O engraçado é que essa receita de crescer no final não se aplicava só aos menos cotados, mas também a times "grandes", que tinham como característica o poder do atropelo. Quem nunca ouviu a célebre frase "não deixa o Flamengo chegar que se não..." (o que era uma bobagem, pois aquele time não ganhava apenas pelo embalo, mas principalmente pela excelência).
O cenário desse tradicional nivelamento que se aflorava com o mata-mata começou literalmente a morrer em 2003, com a chegada dos pontos corridos ao Brasil. Em que pese um início com três diferentes campeões – Cruzeiro, Santos e Corinthians –, começamos a ver de forma mais clara, a partir do tricampeonato do São Paulo, um fenômeno que na cabeça e opinião deste humilde missivista se concretizará dentro de alguns anos: a segmentação entre grandes e gigantes.
E aqui entra o realmente quero argumentar.
Com a desculpa do equilíbrio de forças proporcionado pelos campeonatos em mata-mata, a crônica esportiva, e por tabela os torcedores, sempre se furtaram a questionar de maneira mais veemente quem de fato seriam os maiores entre os maiores times do Brasil. Com a conveniência de não se indispor com legiões de apaixonados país a fora, muita gente sempre colocou dentro do mesmo saco os tidos doze grandes: Fla, Flu, Bot, Vas, Cor, Pal, São, San, Cru, Atl, Int e Gre. Ou seja, aos olhos desses, é todo mundo igual e não se fala mais nisso. Os confrontos são todos clássicos. Ponto!
O problema é que os pontos corridos já começaram a mudar essa lógica, e com o passar dos anos vão mudar muito mais. Não só em função da fórmula, mas principalmente em função da fórmula, logo logo muita gente será obrigada a relativizar a real grandeza dos nossos grandes.
Partamos para um exemplo prático: em 1977, São Paulo e a Atlético Mineiro, finalistas daquele ano, eram de fato equivalentes. Ambos sem tradições internacionais, apenas um título brasileiro para cada lado (o do tricolor ganho naquela decisão), um punhado de estaduais aqui, outro ali... Enfim, dois times grandes e tradicionais.
Agora pule 31 anos e chegue em 2008. Sinceramente, dá para colocar os dois clubes na mesma prateleira? Se você não for da metade alvinegra de Minas Gerais, a resposta é evidente: não! Enquanto vimos o Galo nesse período se esmerar horrores para levantar uma única Copa Conmebol, o time do Morumbi acumulou no período três Mundiais Interclubes (sendo um da Fifa), três Libertadores, duas Recopas Sulamericanas, uma Supercopa da Libertadores, uma Copa Conmebol, seis Campeonatos Brasileiros... A discrepância é absurda, colossal, interplanetária, mas a maioria ainda se furta a colocar os pingos nos is e prefere simplesmente reduzi-los à alcunha de "grandes clubes do Brasil". Um até pode ser, mas o outro está em patamar claramente diferenciado.
A comparação mais óbvia que se pode fazer é com o futebol europeu. Lá, e em qualquer outro lugar, a segmentação entre os grandes e os gigantes é facilmente perceptível, e tem como base o critério lógico dos títulos acumulados. Estando em Paris, experimente perguntar a um francês quais os maiores times de futebol da Itália. Ele certamente não se furtará a apontar Milan, Internazionale e Juventus. Roma, Lazio? São grandes, mas notoriamente estão em outro patamar. Questione um londrino sobre os gigantes espanhóis. A chance de ser citado outro que não Real Madrid e Barcelona é perto de zero. Sonde um milanês a respeito da primeira fila do futebol inglês e ouça em alto e bom som: Manchester United, Liverpool e Arsenal. Chelsea? Grana e pompa de mais, história e títulos de menos. Também é o caso dos nossos hermanos, cuja casta maior não passa de Boca Juniors, River Plate e Independiente.
Agora eu pergunto: por que tanto temor, reticência ou rodeio quando se responde sobre quais são os times top do Brasil? Difícil? Hoje nem tanto, e daqui a alguns anos não será nem um pouco. Lá pelo Brasileirão de 2013 ou 2014 já teremos um retrato fiel da nova ordem do futebol brasileiro, na qual os grandes e tradicionais times estarão clara e evidentemente diferenciados de uma nata restrita, composta por aqueles que orbitam no seleto grupo dos líderes do futebol mundial. O São Paulo, hoje, é o único a passear nessa avenida, e certamente permanecerá nela por décadas.
Sobre os outros dois, no máximo três, a briga será para ver quem entre Santos, Corinthians, Flamengo, Palmeiras, Internacional, Grêmio, Vasco e Cruzeiro terá capacidade (em todos os sentidos) para ultrapassar a barreira da tradição e colocar-se um nível acima de todos os outros – inclusive dos grandes.
Vivamos e vejamos, pois.
Um comentário:
Perfeito.
Que abramos os olhos, daqui a pouco, serão 20 anos sem títulos relevantes. Só Copa do Brasil oba-oba
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