quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Pagode. Pagode? Sim, pagode!

Sucesso nas vozes de muitos, cantado por milhões e criticado por tantos outros, o movimento do pagode que dominou quase todo o dial brasileiro nos anos 1990 foi e ainda é motivo de um ensurdecedor silêncio da inteligenzia cultural brasileira. Tratado à margem da compreensão de um movimento musical de cunho popular, o pagode é acometido do mesmo mal que, anos antes, deletou a música popular dos anos 1970 da história. Figuras proeminentes desta leva – Fernando Mendes, Odair José, Diana, José Augusto... – foram abolidos a fórceps da memória nacional pela patota intelectual que até hoje pauta o Segundo Caderno do Globo e a Ilustrada da Folha.

A mesma coisa ocorre com a turma do "pagode mauriçola da Cohab". Emergida nas paradas de sucesso de todo o Brasil no mesmo período de outros dois movimentos musicais muito populares – o neo-sertanejo e o samba reggae (ou axé music) – o pagode, já naquela época, era desconsiderado como uma das vertentes diretas do samba-canção ligado à Era do Rádio da década de 40 do século passado. Ignorada pela crítica quando do seu sucesso, a música que leva sua a marca continua sendo motivo de piada de salão nas rodas de gente bonita da Zona Sul que frequenta os pés limpos da Lapa. A mesma gente que, segundo Emílio Santiago, quando ouve Ataulfo Alves pela primeira vez num desses botecos acha que descobriu o Brasil.

À parte preferências musicais e gostos particulares, o pagode dos anos 90, assim como o rock brasileiro dos anos 80 e o punk inglês dos anos 70, teve muita coisa ruim, uma massa de material visivelmente oportunista de quem queria apenas pegar carona numa onda de sucesso e ganhar algum. Problema? Nenhum. Isso é absolutamente normal na indústria do show business, conduzida sempre por empresários que sofrem da estranha anomalia de possuírem cifrões no centro das suas retinas. O que estranha é o asco absoluto em relação à parte boa da coisa. Dá a impressão que, se alguém abrir a boca pra dizer que achava bonita tal música do Só Pra Contrariar, uma reação desproporcional virá em sequência. Tipo um "você tá cheirando o quê?" ou mesmo um tabefe, sei lá.

Como este blog é feito de notas e impressões sem compromisso, mas com total responsabilidade sobre os seus atos, escrevo aqui em caixa alta para todo mundo ler e ouvir: EU ME AMARRO NUNS PAGODES DOS KATINGUELÊ E DO SOWETO SIM! E que se danem os possíveis atos covardes que virão contra a minha pessoa, o que vai desde ser excluído de listas de e-mail até ser preterido da sagrada cerveja das sextas. Este é, acima de tudo, um manifesto em defesa do out, do kitsch, do brega, do popular. E é um protesto contra quem finge não saber a formação do paredão da semana do BBB, mas adora espiar o programa na alcova do edredom. Exatamente como faziam aqueles que tanto criticavam o humor pastelão dos Trapalhões, mas riam de se acabar com os quatro comediantes nas noites de domingo.

Chega de hipocrisia, porra!

Bom, feito o desabafo, justifico esse post com uma lista de clássicos da boa safra do pagode bate-coração que tanto embalou churrascos de colégio e festinhas de trabalho de então. E aqui vai uma confissão: ouvir boa parte dessas músicas via YouTube (a melhor coisa que já inventaram na internet ao lado do Google), depois de tanto tempo, me deu uma sensação muito boa. Além da nostalgia natural, das lembranças da vida levada à base de Sessão da Tarde, veio uma coisa do tipo "putz, não é que isso era legal mesmo?!". Sim, era e ainda é, da mesma forma que tantas e tantas coisas consagradas feitas nos anos 70 e 80 continuam sendo legais até hoje. No caso do pagode, do axé e do sertanejo, lhes falta apenas um reconhecimento dos formadores de opinião ao gosto popular brasileiro. Só isso.

Aliás, sobre essa coisa do reconhecimento, me lembrei de dois exemplos perfeitos: quando Maria Bethânia gravou "É o Amor" para a trilha do filme '2 Filhos de Francisco', os críticos de plantão tiveram de torcer o dicionário para justificar "a surpreendente beleza escondida na canção", a mesmíssima canção que, gravada anteriormente por Zezé di Camargo e Luciano, fora defenestrada pelos mesmos críticos, com aqueles argumentos rasos de sempre. Noutro caso, Caetano Veloso regravou "Você Não Me Ensinou a Te Esquecer", de Fernando Mendes, e revelou ao Brasil, com seu habitual talento, a beleza e a sinceridade de uma música que, se não fosse por ele, Caetano, continuaria fadada ao ostracismo juntamente com seu autor e primeiro intérprete.

Enfim, chega de papo e sobe o som!

1 - Tempo de Aprender (Soweto): http://www.youtube.com/watch?v=0aQJFHikABs

2 - Gamei (Exaltasamba): http://www.youtube.com/watch?v=ADkVayQrd4o

3 - Dói Demais (SPC): http://www.youtube.com/watch?v=iO9VxvdaoOI

4 - No Compasso do Criador (Katinguelê): http://www.youtube.com/watch?v=Il_tGxW1g5o

5 - Quando Te Encontrei (Raça Negra): http://www.youtube.com/watch?v=Msd_Ln5muig

6 - Ôa Ôa Canção do Amor (Art Popular): http://www.youtube.com/watch?v=wGdR9_aY4g0

7 - Já Tentei (Kiloucura): http://www.youtube.com/watch?v=K_wAVNBKcj0

8 - Búzios e Tarô (Soweto): http://www.youtube.com/watch?v=kOLJL9YXdU0

9 - Nascente (Sem Compromisso): http://www.youtube.com/watch?v=w4R70I3GJ54

10 - Desengano (Cor da Pele): http://www.youtube.com/watch?v=8c0jBXL03E0

4 comentários:

Rodrigo Polito disse...

Fala, Oldon,

você trouxe à tona um assunto tabu na sociedade brasileira. De fato, existe muita coisa boa no movimento pagode 90´s.

E a maior prova de que os "intelectuais" criticam sem nenhum fundamento foi o que você disse no último parágrafo. Pode ser que daqui a dez ou 20 anos, o pagode 90's seja "Cult". E aí ocorrerá o contrário. Quem não lembrar os clássicos do "Soweto" e do "Katinguelê" será considerado ignorante.

Chega de hipocrisia.

Ah, e nem preciso dizer né, brilhante o texto! Parabéns

Abs

Leonardo Wella disse...

me sinto meio "culpado" por esse texto. só achei q faltou um molejão na sua lista. pra que esperar pela valorização do pagode 90's se a gente mesmo pode fazer isso? achei q gostar de axé fosse mais vergonhoso q pagode, mas pelo visto não. abração

Danilo Julião disse...

Caro Oldon, primeiro parabéns pelo belíssimo texto.

Segundo, a temática não podeia ser melhor. Vou contar o meu caso: quando eu tinha 15 anos (atualmente tenho 21) eu comecei a ouvir pagode e às vezes, arriscava cantar no colégio e sempre sofri preconceito por causa disso. Acabei me deixando levar pelo preconceito. De dois anos pra cá, essa paixão pelo pagode voltou de maneira tão absurda. Atualmente eu vivo cantando pagode na faculdade e nem aí pra esse preconceito e realizei ontem um grande sonho: cantar pagode ao vivo pra uma 'platéia'. Criticar o pagode é algo sem cabimento...é negar parte do que a gente vive...

E cá pra nós, quem nunca cantou (ou escutou) Katinguelê, Soweto, Exatasamba, Os Morenos, SPC, Art Popular, Karametade, Sorriso Maroto, Jeito Moleque, Gustavo Lins, Fundo de Quintal, entre outros, atire a primeira pedra!!

Grande abraço!

Anônimo disse...

ISSO É TUDO MILONGA. JÁ PASSARAM 20 ANOS E ATÉ HOJE O PAGODE MAURIÇOLA CONTINUA SENDO CONSIDERADO UMA BOSTA