segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Listinha dos 25 mais (ou menos) da década de 00 do século XXI

O único critério para a seleção foi o descompromisso, lema deste humilde blog.

• Terça-feira da década – 11 de setembro de 2001

• Frase da década – "Yes, We Can"

• Herói da década – Capitão Nascimento

• Documentário da década – "A Fuga do Alemão"

• Leitura da década – Os arquivos do WikiLeaks

• Mico da década – O Fenômeno e seus três travestis

• Troféu "Óleo de Peroba" da década – José Roberto Arruda, pelo conjunto da obra: http://bit.ly/wANzH

• Troféu "Suzana Vieira" da década – Cicarelli em Ibiza

• Troféu "Rubinho Barrichello" da década – Clube de Regatas Vasco da Gama

• Rebaixamento da década – Corinthians (2007), com menção honrosa para o Palmeiras (2002)

• Gol rubro-negro da década – Pet, no tri (2001): http://bit.ly/16AiY8

• Ex-BBB da década – Sabina Sato, com menção honrosa para Grazi Massafera

• Morte da década – Michael Jackson, com menção honrosa para o disquete e o vídeo cassete

• Site da década – You Tube

• Twitter da década – Angela Bismarchi: twitter.com/angbismarchi

• Show [entre os que eu fui] da década – Paul McCartney (Porto Alegre, 2010): http://bit.ly/gKgmsu

• Música da década – "Deixa A Vida Me Levar", Zeca Pagodinho: http://bit.ly/i98Ids

• Revival desnecessário da década – Guns N' Roses

• Escroto da década – George W. Bush, com menção honrosa para o padre irlandês maluco das Olimpíadas de Atenas

• Intelectual da década – John Maynard Keynes, in memoriam

• Ator, cantor, compositor & humorista da década – Marcelo Adnet

• Homem da década – Steve Jobs

• Mulher da década – Angelina Jolie

• Fodão da década – Eike Batista

• "O Cara" da década – Adivinha?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Preguiça social

Desde a última vez em que postei algumas palavras aqui, e lá se vão quase quatro meses, muitas coisas interessantes aconteceram por aí: bolinhas de papel foram capas de jornais (e alvos de perícia técnica, veja só...), uma mulher foi eleita presidente (ou presidenta?), Paul McCartney voltou ao Brasil (e eu vi!), o Rio entrou em guerra urbana (com as forças de paz virando o jogo, eu acho), o Flamengo escapou da Segunda Divisão (não me perguntem como), o Natal chegou sem avisar na Leader Magazine...

Todos os assuntos cabiam na pauta desse espaço. Mas não entraram por pura e absoluta preguiça do síndico que vos escreve. Preguiça de me alongar em textos possivelmente pretensiosos, sob os quais talvez não tivesse a segurança e o embasamento suficientes para emitir opiniões e assertivas. Mas, sobretudo, preguiça de não abrir mão da facilidade que as redes sociais de tiro curto oferecem a quem não tem obrigação de escrever por ofício.

Já se disse por aí – acredito que foi o Millor Fernandes – que o Google é a cultura prêt-à-porter, cabível a todas as necessidades possíveis e imagináveis. Se isso tem de fato algum fundo de verdade, o Twitter seria o equivalente à caixinha de costura da mamãe nesse universo da moda digital. Acessível a qualquer um dentro dos seus 140 caracteres, o microblog faz de você, sem querer, um pensador em potencial. Ou um escritor em potencial. Ou ainda um jornalista em potencial. Talvez até um fofoqueiro em potencial, dependendo do torpedo.

Tudo isso é permitido naquele cabresto reducionista de letras e expressões, onde todos falam, opinam, acham e sabem. Mas poucos ouvem.

A verdade é que sou um pecador.

Não, não me enquadro no grupo daqueles que matam, roubam ou invejam o próximo (muito menos a mulher o próximo), segundo reza a lista dos pecados mortais sob a guarda da Igreja Católica.

Meus pecados são capitais, encarados hoje em dia como "pequenos desvios moralmente aceitáveis", por assim dizer. A preguiça certamente é um deles. Esse sentimento tão difundido entre gerações – principalmente nos domingos chuvosos – e que nos acomete com maior grau de intensidade às segundas-feiras pela manhã, chovendo ou não.

É ela que explica o hiato neste humilde repositório de ideias rasas.

Fiquei preso às vicissitudes das poucas palavras, e isso gerou em mim uma perigosa sensação de suficiência. Como se bastassem apenas aqueles tijolinhos enfileirados um em cima do outro para que as minhas ideias fossem devidamente trabalhadas e expostas. "Para que escrever mais? Lança uns três ou quatro twitts aí e pronto!", pensei algumas vezes, abortando maiores achismos através do blog.

Ao me deixar induzir pela preguiça das short opinions, acho que acabei caindo nos encantos do fast food intelectual – que tem o seu valor, pois a graça do miojo não está no gosto de isopor, mas na rapidez do bate-entope.

**********

Em tempo: não que eu esteja me comprometendo a fazer disso aqui um relatório diário sobre acontecimentos diversos. Mas acho que, regularmente, vale a pena fugir da fugacidade dos 140 caracteres do Twitter ou dos 420 do Facebook (um luxo, perto do outro) para me aprofundar no olhar crítico sobre generalidades do cotidiano. Como jornalista, é um exercício necessário para a profissão. Como observador, talvez seja a forma de colocar em pratos limpos muitas das nossas (minhas) incongruências.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Di Melo, sabe quem é? Pois procure saber!

Foi assim: na última sexta-feira, após tradicional encontro com amigos jornalistas no Centro, me dirigia a Jacarepaguá, onde pegaria minha esposa para degustarmos um hambúrguer na Barra da Tijuca. Tudo tranquilo até que, a certa altura, a rádio MPB FM insere na programação do seu "Aquecimento MPB" um som que, sem brincadeira e sem exagero, eu nunca tinha ouvido parecido em toda a minha vida. O efeito imediato foi diminuir a velocidade do carro, como num desejo inconsciente que a música, sabe lá porque cargas d'água, também durasse o máximo possível.

Descobertas musicais geralmente provocam em mim a preocupação imediata em memorizar um trecho da letra para que, a partir daí, eu consiga correr atrás depois – o que, com o advento de ferramentas virtuais, ficou muito mais fácil. No dia seguinte, com a ajuda de São Google, cheguei à ficha técnica do sujeito, ao nome da música que ouvira e a outras tantas coisas que igualmente desconhecera.

Vamos aos fatos: a figura se chama Di Melo, e a música-chave é "Kilariô". Tudo bem, eu também jamais tinha ouvido ambos os nomes até então. O cara é pernambucano e gravou, até onde consegui descobrir, um único disco na vida, em 1975 pela antiga Odeon – atual EMI. Os arranjos, para se ter uma ideia, são do bruxo Hermeto Pascoal. O que me chocou foi constatar o meu total desconhecimento diante de tão valiosa obra. O passo seguinte foi ir ao You Tube para descobrir outras cinco ou seis músicas igualmente espetaculares deste disco, fazendo com que a curiosidade se tornasse uma pequena obsessão numa gélida noite de sábado.

"Kilariô" é uma infusão de elementos do funk americano de James Brown com a soul music brasileira de Cassiano, mas diferente de tudo isso. O resultado é uma acentuada batida de samba-rock típica da metade dos anos 70 – Jorge Ben, Bebeto e Black Rio – com leve toque latino e um sotaque nordestino que faz toda a diferença. A letra é tão autêntica quanto à música, com referências a um modo de vida interiorano (fala em vaquinha, mandioca e roça). Uma obra-prima dançante que aguça o interesse de quem a ouve pela primeira vez. As canções que fazem o restante do disco enveredam pelo mesmo caminho, mas vão além. Dono de uma poética muito pessoal, Di Melo cria baladas, canções de protesto e até um tango com a mesma desenvoltura da faixa de abertura.

Se eu consegui, nessas poucas palavras, despertar algum interesse em você que está me lendo agora, maravilha. Di Melo, com algumas décadas de atraso, ainda pode e deve ser muito escutado e dançado Brasil a fora. Nesta minha muy humilde tentativa de acertar as contas com a minha ignorância musical ("só sei que nada sei", já disse o filósofo), deixo abaixo o caminho das pedras para quem quiser saber mais do grande Di Melo. São poucos os vídeos dele no You Tube, mas suficientes para se ter a exata noção da dimensão artística do cantor e compositor. Coloquei o endereço de um blog que dispõe de um link para baixar o disco na íntegra. Não preciso dizer que foi a primeira coisa que fiz, não é?

Agora e sempre, VIVA A MÚSICA BRASILEIRA! Divirta-se.




Baixe o antológico disco de Di Melo em http://escaparfedendo.blogspot.com/2010/01/di-melo-vivo.html

domingo, 18 de julho de 2010

Reminiscências

Os seios fartos de Paul
ainda polvoam minha mente
insana
Como se mundana fosse a curva da bola
que rola
macia
pelos tentáculos de Larissa
Ele, oráculo
Ela, atiça
Golaço!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Coincidências e teorias de Copa: será que funcionam?

Uma das coisas mais legais em época de Copa do Mundo é a profusão de teorias conspiratórias e/ou coincidências numerológicas e matemáticas sobre os possíveis resultados do torneio.

Nunca parei para certificar se as previsões dão realmente certo ou se os cálculos dão com os burros n'água, mas é instigante imaginar que a história, de tempos em tempos, pode se repetir.

Essa aqui abaixo eu recebi hoje por e-mail, e mexe com algumas seleções classificadas para as quartas de final. Se vai dar certo? Sei lá... Mas se der, pode ficar certo que daqui a quatro anos ela vai voltar, com outra previsão irrefutável.

Quem viver verá!

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O Brasil ganhou a Copa do Mundo em 1994. Antes disso, sua última conquista foi em 1970. Se você somar 1970 + 1994 = 3964.

A Argentina ganhou sua última Copa do Mundo em 1986. Antes disso, só em 1978. Somando 1978 + 1986 = 3964.

Já a Alemanha ganhou a sua última Copa em 1990. Antes disso foi em 1974. Somando 1990 + 1974 = 3964.

Seguindo esta lógica, poderia se ter adivinhado o ganhador da Copa do Mundo de 2002, pois este teria que ter sido o vencedor da copa de 1962!

Conferindo: 3964 - 2002 = 1962.

E o ganhador da Copa em 1962 foi o Brasil!

Realmente, a numerologia parece funcionar...

E quem venceria a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul?

Resposta: 3964 - 2010 = 1954

E quem ganhou em 1954?...

ALEMANHA!!!

Será?

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Primeiras impressões (sem compromisso, claro) sobre a Copa 2010:

- Nunca na história deste país uma Seleção Brasileira (ainda em maiúscula) foi tão duramente criticada por seus supostos torcedores. Acho que nem em 1990 a coisa foi tão pesada. Sem entrar no mérito de convocação, escalação, esquema tático ou posicionamento ideológico, esse grupo comandado por Dunga é o atual campeão da Copa das Confederações e da Copa América, além de primeiro colocado nas eliminatórias sulamericanas. Com currículo tão favorável, acho que talvez o escrete canarinho merecesse um voto de confiança maior dos brasileiros.

- Feita a defesa, vale dizer que a postura ríspida, arrogante, sarcástica e auto-suficiente do comandante Dunga e de seu fiel escudeiro Jorginho em nada contribui para arregimentar a torcida para o seu lado - vale dizer, o lado da Seleção. Tenho absoluta convicção que muitos dos que torcem abertamente contra o Brasil o fazem por pura birra com o jeito Dunga de ser, que hoje impera naquele que é o símbolo maior do futebol brasileiro, quiçá mundial. Todos adorariam estar vestindo a camisa amarela, chorando na hora do hino, soltando fogos nos gols, essas coisas de Copa do Mundo. Tudo bem, fica para 2014, aqui em casa...

- O jogo contra a Coreia do Norte mostrou fragilidades no time (meu Deus, nunca achei que fosse escrever isso...). Confiar em Felipe Melo e Gilberto Silva armando jogadas é esperar pela visita do Papai Noel no Natal. Um dos ativos de grandes Seleções Brasileiras, como as de 1970 e 1982, era contar com volantes que sabiam sair para o jogo, que tinham a capacidade de ir muito além do toque lateral burocrático - coisa que mais se viu contra os norte-coreanos. Não, não estou querendo comparar Clodoaldo e Falcão com os citados acima, mas mesmo o Dunga de 1994 tinha algum talento quando procurava sair para o jogo. Rezemos, pois.

- Nunca na história deste esporte uma Copa do Mundo começou tão sofrível, com tantos jogos de nível de Série C de Campeonato Brasileiro. Acho que nem em 1990 a coisa deu a impressão de ser tão ruim como agora. Espero que a maior competição esportiva do planeta recupere os seus melhores momentos a partir da segunda rodada - o primeiro jogo, Uruguai 3x0 África do Sul, pelo menos teve gols...

- Sofrido vai ser, acho que disso ninguém tem dúvida. Mas dá, pode apostar. Eu acredito!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

OLTN


Depois que o Bussunda morreu, e lá se vão quatro anos, nunca mais vi o "Casseta e Planeta" como antes. Parece meio bobo, mas fato é que eu não consigo me acostumar quando um(a) cara jovem morre das chamadas "causas naturais", que nada têm a ver com acidentes, desastres naturais ou violência.

O mais carismático dos cassetas estava apenas batendo uma bola, jogando uma inocente pelada de fim de tarde, nos arredores do hotel onde estava hospedado na Alemanha, durante a cobertura da Copa do Mundo. Não resistiu. Parou de jogar, voltou pro hotel, entrou no quarto e pimba!, caiu duro. Uma coisa escrota, como convém a uma morte absolutamente inesperada e sem sentido. Morte não tem que ter sentido, eu sei, mas algumas não dá nem pra tentar entender.

Nesses dias de TPC (Tensão Pré-Copa) e do recente lançamento da sua biografia, escrita com muita competência pelo Guilherme Fiuza, tenho lembrado constantemente do Bussunda. Da sua cara de gente do bem, das suas impagáveis imitações femininas, da sua paixão avassaladora pelo Flamengo, de como seria a sua presença na África do Sul (quem ele imitaria na seleção, o Kaká?)... Aliás, se tem alguém que faz falta na legião twitteira, esse alguém é o Bussunda. Faz falta o seu humor com categoria, sem baixar o nível pra fazer polêmica. O lance dele era fazer rir, apenas.

Tenho uma história muito boa com o Bussunda. Numa edição de décadas atrás da Bienal do Livro do Rio, estava acompanhando um debate no Café Literário sobre "o humor nos dias de hoje", ou algo do tipo, no qual estavam presentes ele, Hélio de La Peña, Marcelo Madureira, Luiz Fernando Novaes e uma escritora de cujo nome não me recordo. Eu estava sentado próximo ao palco. Em determinado momento do debate, aproveitei um instante de distração dele e dei um livro de piadas do Casseta, que tinha acabado de comprar, para os três integrantes do grupo autografarem ali mesmo. O problema surgiu quando eles sinalizaram com a cabeça perguntando o meu nome...

Como eu não podia responder em voz alta, pois o debate ainda estava transcorrendo, comecei a fazer o movimento labial devagar, mas sem o som da voz, numa tentativa de dizer Oldon – um nome, convenhamos, pra lá de exótico. O-L-D-O-N, fiz com a boca, recheando cada letra. Nada dele decifrar. O Hélio entrou no jogo de adivinhação e, do palco, listava alguns nomes pra mim, movimentando a boca mas sem emitir som:

- "O que, como é o teu nome? Ofon? Olom? Omar? Paulo?" – perguntava de La Peña.

Depois de alguns minutos em que eu tentava inutilmente algum sucesso numa mímica labial amadora em meio a centenas de pessoas (que a essa altura já tinham notado o inusitado da situação), Bussunda chutou o balde. Abriu o livro que estava em sua posse, sacou uma caneta e mandou a seguinte dedicatória a este sujeito de nome incompreensível que ora vos escreve:

"Valeu, OLTN (Obrigações e Letras do Tesouro Nacional). Seu nome é melhor que qualquer piada deste livro. Abraços do Bussunda".

Nunca ri tanto ao ser sacaneado por alguém. Até porque ter sido sacaneado pelo Bussunda, pra mim, foi uma honra.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Senhoras e senhores, no palco do Canecão..."

Fechou o Canecão, "a casa onde se escreve boa parte da história da música popular brasileira", como mostra(va) uma frase cunhada pelo produtor e bon vivant Ronaldo Bôscoli na portaria principal da famosa e mítica cervejaria carioca. E era isso sim. Mesmo sendo ultrapassado ao longo do tempo em quesitos tipo espaço interno, conforto e aparato tecnológico por rivais como Metropolitan e Imperator, o Canecão nunca perdeu a pose, muito pelo fato de jamais ter deixado de ser aquilo que sempre foi: sinônimo imediato de principal casa de espetáculos da cidade, e do país também.

Numa época pré-show business, ali era o lugar onde as grandes estrelas faziam temporadas de nove, dez meses, ou até mais de um ano. O sonho de todo artista, fosse de qualquer parte do Brasil, popular ou nem tanto, era ver seu nome estampado no enorme letreiro na entrada da casa de shows de Botafogo, com direito a luzes piscando, neon e tudo mais. Poucas coisas eram mais glamorosas (era uma época em que artista de verdade tinha que ter glamour) no meio artístico do que pertencer ao time de artistas de temporada do Canecão. Bons tempos...

No falecido Canecão, que hoje foi lacrado pela Polícia Federal após uma decisão judicial transferir a posse do local definitivamente para a UFRJ (não perca: em breve, mais uma ruína pública perto de você!), eu já vi:

Fábio Jr. aplaudindo de pé o encerramento de um show do Roberto; Tim Maia agradecendo à Brahma pelo patrocínio e pedindo um copo de Antárctica; Elymar Santos, já famoso (na época), simular um coito com uma dançarina; Daniela Mercury fazendo muito bacana da Zona Sul bater tambor com uns meninos do Pelô; o então futuro governador Cabral chorar ao som de "Quem Te Viu, Quem Te Vê" na voz do Chico; Chitãozinho & Xororó levando as mágoas do sertão para o deleite do high society carioca; um dueto histórico do Charlie Brown Jr. com os Fevers; Air Supply derramar sobre a platéia toneladas de açúcar com as suas belas baladas; Gilberto Gil contar "a história da prisão em Florianópolis pelo porte de um cigarro de maconha", enquanto apresentava seu Unplugged; Baby Consuelo sentar-se comigo à mesa achando que eu era outra pessoa só para poder ver a Marisa Monte mais de perto no palco; Double You fazer um dos melhores shows de playback da minha vida; Ivete Sangalo dizer, sebenta de suor, que "nada pode ser melhor que a encoxada de um negão baiano"; o Skank entrar numa vibe estranha de ser achar os novos Beatles e fazer um showzinho modorrento até o público começar a vaiar e eles desfilarem o repertório juvenil velho de guerra; Netinho descer a baiana para fazer um ótimo show vazio de público; Caetano Veloso gastar o castelhano para fazer um péssimo show cheio de público; Maria Bethânia flutuar no palco (quem já viu sabe que ela consegue); o pagode suburbano do Bom Gosto; o canto lamentado de Raimundo Fagner; o pop que todo mundo adora odiar do Guilherme Arantes; as mulheres se esgoelando pelo Fábio Jr.; muita gente cantando, pulando, admirando, chorando, se divertindo...

Vai deixar saudades a velha cervejaria.

PS: Antes que alguém desconfie da minha extrema amplitude em se tratando de preferências musicais, ou da própria veracidade das informações acima, vale uma explicação: durante uns oito anos, a empresa da qual meu pai era gerente, pertencente a um irmão dele, era uma das patrocinadoras do Canecão. Com isso, ingressos para todas as atrações possíveis e imagináveis jorravam lá em casa durante esse período. Daí a grande quantidade de memórias trazidas da casa de shows de Botafogo. Aliás, realmente bons tempos aqueles...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O que faz de alguém um campeão?


Prometo que volto ao assunto pela última vez.

Mas antes de encerrar esse papo definitivamente, lanço uma indagação: “clubismos” e paixões à parte, o que faz de alguém um campeão de fato?

A concessão de uma taça, diferente daquela que foi entregue ao vencedor no fim de uma disputa?

A emissão de um parecer, anos e anos mais tarde??

A validação de um julgamento de tapetão – repito: de tapetão???

Uma estrela bordada na camisa, uma menção neste ou naquele jornal, revista ou TV????

Bom, não sou esportista (já fui tempos atrás), mas conservo carga suficiente de sensatez para afirmar que nada disso faz de alguém um campeão de fato.

O que faz verdadeiramente de alguém um campeão é a conquista efetiva de um objetivo, seja ele qual for.

No caso do futebol, é ganhar dos seus adversários na bola até o término do confronto final.

Jogando bola de verdade, sem chororôs ou apelações fora do campo de jogo.

Basta somente ganhar no campo. Simples e difícil assim.

Dito isso, vale lembrar o seguinte:

O Flamengo disputou em 1987 um campeonato nacional contra os 15 maiores times do país – e SÓ entre eles, como previa o regulamento inicial e que depois veio a ser deturpado.

Parêntese: por ironia do destino, o Flamengo foi o único voto vencido na discussão sobre a formulação do modelo de disputa, mas respeitou a decisão da ampla maioria e entrou na competição cumprindo o regulamento previamente acordado.

Quatro meses depois, a consumação da ironia: após passar pelo Atlético-MG na semifinal e pelo Internacional na final, o Flamengo ganhava o campeonato.

Terminado o último jogo, naquele 13 de dezembro no Maracanã, o capitão do time vencedor (Zico) recebe de Octávio Pinto Guimarães, então presidente da CBF, a taça de campeão.

Estava encerrada a Copa União de 1987 na sua divisão de elite – refiro-me aqui não ao lero-lero de bolinhas e pareceres carimbados, mas ao jogo de campo, disputado com times, estádios e torcidas.

É por isso que não há taça ou papel timbrado no mundo que anule o gol marcado por Bebeto aos 16 minutos do 1° tempo, após jogada coletiva de Renato, Jorginho, Ailton, Zinho e Andrade.

Decisões de Justiça jamais terão o poder de retirar conquistas logradas dentro de campo, por mais que se queiram forjar campeões dentro de gabinetes.

Desculpem a encheção, mas falo de algo que me é caro não apenas por ser flamenguista, mas especialmente por ter sido um dos 90.000 presentes ao Maracanã na grande final e ter visto, pela primeira vez ao vivo, a conquista de um título pelo meu clube de coração.

Essa emoção – que, como vocês percebem, permanece viva e forte em mim – a CBF jamais entregará em forma de taça ao São Paulo, ao Sport (que sequer disputou a competição) ou a quem quer que seja.

Porque aquele campeonato nacional de 1987, disputado com 16 times, dois grupos, jogos duplos de semifinais e de finais, aquele campeonato foi ganho, sim, pelo Clube de Regatas do Flamengo.

Vida que segue.

Saudações Rubro-Negras

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Dacca-Bumba, non stop

Zeca Camargo é um sujeito de sorte. Boa parte do seu ano é gasto remuneradamente ao redor do mundo fazendo matérias para o Fantástico. Se na maioria das vezes as pautas vão desde o processo de confecção de sarongues havaianos até a diversidade da fauna marinha das Bahamas, na última das suas viagens Zeca se prestou a realizar um ótimo registro jornalístico.

A série "Megacidades" enfatiza, com boa narrativa, as particularidades, os problemas e as políticas públicas (ou a falta delas) das principais megalópoles do mundo, sempre traçando um paralelo com a nossa maior cidade, São Paulo. Excluindo Tóquio e Nova York, todos os centros urbanos visitados pelo apresentador do Fantástico estão situados em países em desenvolvimento ou pobres, o que acentua questões muito próximas a nós, brasileiros.

Neste último domingo, Zeca aportou em Dacca, capital e maior cidade de Bangladesh, país miserável do sudeste asiático que só teve a sua independência declarada nos anos 1970.

Concentrada na parte antiga da metrópole, onde as condições de insalubridade atingem níveis extremos, a reportagem flagra milhares de pessoas (sobre)vivendo em meio à podridão de um rio transformado em esgoto público, onde homens costumam se banhar à beira de uma massa firme de detritos. Nas ruas, a imundice é tamanha que impressiona até mesmo quem está acostumado com o dia-a-dia das favelas brasileiras. Tudo é degradado, a começar pela vida humana.

Já no fim da matéria, uma pesquisadora brasileira que mora há dois anos e meio em Dacca é entrevistada. Perguntada sobre o que mais lhe chamou a atenção no inevitável choque cultural ao chegar à capital de Bangladesh, ela aponta o lixo como o maior problema. Abundante em todas as partes, os resíduos compõem um cenário comum naquele cotidiano, onde todos parecem conviver de maneira amigável com a sujeira. A pesquisadora complementa: "É uma coisa diferente, principalmente para nós, brasileiros".

Imediatamente me lembrei do Morro do Bumba, da sua tragédia, das suas vítimas, dos desalojados e do seu imenso lixão surgido de uma hora para outra. Será mesmo que a nossa realidade é tão diferente da de Bangladesh e de sua capital deteriorada, assim como de seus moradores ultra-carentes?

Quando digo nossa realidade, é claro que não estou me referindo à porção "classe média/elite", dotada de serviços essenciais como esgoto tratado, asfaltamento (ainda que esburacado) e construções minimamente seguras. Falo da parte pobre, das favelas sem acesso a nada disso, erguidas sob a omissão do poder público em locais de alto risco, com ritmo de crescimento chinês e índices de desenvolvimento africanos. Falo especificamente do Morro do Bumba, que de aterro sanitário infestado de urubus e crianças descalças se transforma, em poucos anos, em "comunidade" – conforme reza a cartilha do politicamente correto de hoje em dia.

Os anos a fio de descaso e cumplicidade dos governos locais com a favelização dos morros e encostas respondem por esse processo de urbanização do lixão do Bumba. Ao mesmo tempo, a mitificação da chamada cultura da favela, que reveste de legalidade o que é desvio de gestão, impede que se discuta com a ação e o rigor necessários assuntos tratados como tabus, entre os quais a remoção da população carente de locais impróprios. O povo do Morro do Bumba que foi soterrado não merecia pagar essa conta tão alta, assim como pagaram outras centenas de vítimas em todo o estado e os milhares de sobreviventes de mais uma tragédia urbana anunciada, que tem na natureza o menor dos culpados.

Talvez a pesquisadora brasileira residente em Dacca tenha se surpreendido ao tomar conhecimento das circunstâncias que levaram ao fatídico desabamento em Niterói. Talvez tenha se surpreendido ao saber que no Brasil, país que pretende chegar em pouco tempo ao grupo dos cinco maiores do mundo e que abrigará os dois maiores eventos do planeta em sequência, uma "comunidade" inteira tenha se constituído e crescido sobre um aterro sanitário sem qualquer tipo de tratamento.

As realidades social e urbana do Brasil e de Bangladesh, mesmo distantes e com níveis de complexidade muito diferentes, guardam no lixo um triste paralelo. A cidade de Dacca e o Morro do Bumba nunca foram tão próximos.

sexta-feira, 26 de março de 2010

5 temas x 5 escolhas = 1 lista de futilidades by YouTube

5 discos de medalhões da MPB que mostram porque os caras são medalhões da MPB

=> Clube da Esquina - Milton Nascimento (1972)
Ouça "Tudo o Que Você Podia Ser":


=> A Tábua de Esmeralda - Jorge Ben (1974)
Ouça "Os Alquimistas Estão Chegando":


=> Refavela - Gilberto Gil (1977)
Ouça "Aqui e Agora":


=> Roberto Carlos - Roberto Carlos (1977)
Ouça "Outra Vez":


=> Bicho - Caetano Veloso (1977)
Ouça "Odara":


5 novelas da sete dos anos 80 absolutamente geniais

=> Guerra dos Sexos (Silvio de Abreu, 1983/1984)
Relembre o porquê:


=> Vereda Tropical (Silvio de Abreu e Carlos Lombardi, 1984/1985)
Relembre o porquê:


=> Cambalacho (Silvio de Abreu, 1986)
Relembre o porquê:


=> Brega & Chique (Cassiano Gabus Mendes, 1987)
Relembre o porquê:


=> Sassaricando (Silvio de Abreu, 1987/1988)
Relembre o porquê:

+


5 comerciais da publicidade brasileira que entraram para o imaginário popular

=> Não se esqueça... (Caloi, 1980)
Reveja:


=> Bonita camisa (USTop, 1984)
Reveja:


=> O segredo (Tostines, 1985)
Reveja:


=> Primeiro sutiã (Valisére, 1987)
Reveja:


=> Tio (Sukita, 1999)
Reveja:


5 decisões históricas e inesquecíveis do futebol brasileiro

=> Flamengo 3 x 2 Atlético-MG (Brasileiro 1980)
Gols do Fla:


=> Botafogo 1 x 0 Flamengo (Carioca 1989)
O gol:


=> Palmeiras 4 x 0 Corinthians (Paulista 1993)
Os gols:


=> Palmeiras 3 x 4 Vasco (Mercosul 2000)
4º gol:


=> Náutico 0 x 1 Grêmio (Brasileiro-B 2005)
O gol:


5 micos nacionais propagados e imortalizados pela internet

=> Fernando Vanucci na Rede TV! (2006)
Ahhhhh, Itááália!!!:


=> Ruth Lemos na Globo Recife (2006)
Sanduíche-íche:


=> Vanusa na Assembleia de SP (2009)
A imaaaaaagem do Cruzeiro...:


=> Biafra grava documentário (2009)
Rock do bom, ou...pqbgtph!!!:


=> Lúcia Hippólito na Rádio CBN (2009)
Olha Lolito...:

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Baby, you can drive my car. Ou não.

Nessa última quinta-feira, ainda sob os efeitos do périplo momesco carioca (pausa: o carnaval de rua do Rio, que há dez anos estava morto para a vida, ressuscitou de uma forma linda, autêntica e espontânea. Uma coisa que só o carioca, ou quem tem a alma de um, sabe fazer. Parabéns, povo!), bem, voltando: na quinta-feira me desloquei a Angra dos Reis a fim de descansar um pouco antes do início real do ano útil. Como não gosto muito daquela estrada Rio-Santos, cheia de curvas sinuosas e meio traiçoeiras, pensei em algo que pudesse escutar e me fazer relaxar nas quase duas horas de chão. Lembrei, por acaso, que nunca havia escutado um CD dos Beatles no meu carro. Isso, para um beatlequasemaníaco como eu, era algo surpreendente.

Resolvi fazer o teste das ruas e levar para o carro duas coletâneas dos Fab Four, cada uma com dois CDs (refiro-me àquelas com as fotos de capa iguais, uma de embalagem vermelha e outra azul). Só clássicos reunidos: da fase iê-iê-iê às viagens indianas, os disquinhos percorrem tudo do bom e do melhor da maior banda de todos os tempos. "Chance de erro", pensei, "zero!". Só que na hora a coisa não funcionou. Eu ali, no volante, preocupado com radares e ultrapassagens, ouvindo as músicas como se elas estivessem abafadas, em volume baixo (embora estivessem em alto e bom som). Não havia peso. O primeiro CD não durou nem 10 minutos rodando no CD player e voltou direto para caixa pelas mãos da minha mulher, que tratou de sintonizar o rádio numa estação bem popular. Não lembro se era pagode ou Beyoncé que tocava.

Cheguei em Angra, mas continuei encucado com aquele inesperado engulho que Strawberry Fields Forever provocou-me dentro do automóvel. "Seria eu um reles beatlemaníaco fake?", me veio à mente tal provocação. Hoje, quatro dias depois, vi que o meu gosto pelos Beatles permanece aquecido, e minha atração pelas inúmeras boas canções idem. O problema não estava no som, mas no ambiente. Vi ali que The Beatles, para mim, não pode servir nunca de apetrecho para momentos prosaico-entediantes como dirigir um carro numa viagem de fim de semana. Aquilo é música clássica, ora essa! Merece todo um ritual de apreciação e devoção, tal qual é conferido às peças de Bach e Vivaldi numa sala de concertos.

A relação de reverência perante a obra criada por Lennon & McCartney, Harrison e Star se aflorou de forma profunda e definitiva depois que adquiri, no ano passado, a caixa remasterizada com toda a obra do quarteto. Era como se um mosaico desconhecido se abrisse sob os meus ouvidos, ampliando em muitas potências as percepções da música produzida por rapazes ingleses absolutamente geniais nas suas diferenças de estilo – o que congrega disparidades em conceitos musicais, filosóficos, poéticos e políticos. Conhecia muito pouco deles, e passei a conhecer menos ainda após a compra da coleção. E foi justamente esse encontro com a minha ignorância que me fez criar um ritual: esperar um momento de tranquilidade em casa, sem agitações ou atropelos, para só então abrir a urna sagrada e me debruçar sobre tão extenso e intenso universo sonoro. Algo que num bom home theater tem o seu valor redobrado.

Desta forma, cadenciada, serena, mas atenta às variações de acordes e harmonias, venho entrando aos poucos no gigantesco mundo músico-cultural dos Beatles. Quando coloquei às compilações rubra e celeste (ambas não remasterizadas, o que faz uma diferença...) no aparelho de som do carro, era como se esse encanto respeitoso e prazeroso, no qual ainda me encontro plenamente envolvido, se quebrasse. Temo que, após a aquisição da mega-caixa de CDs (são 16 mais um DVD), eu tenha ficado refém de um maneirismo meio rococó, algo com o um TOC do bem. Não sei se chegarei aos limites do radicalismo afeito aos mais puritanos, mas sei que os clássicos têm que ser respeitados. Após aquele bizarro estranhamento ocorrido no meu carro, percebi que não dá mais para ouvir Something e buzinar para uma Kombi ao mesmo tempo. Cada um na sua.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A preguiça jornalística me irrita, mesmo num sábado de carnaval

Hoje é dia 13 de fevereiro, sábado de carnaval. Já é noite, eu estou levemente alcoolizado, mas, ainda assim, estou agora intrigado com algo que não me diz respeito. Isso não faz o menor sentido, pois era hora de eu estar em alguma rua ou avenida tratando de permanecer em níveis alcoólicos ainda maiores. Mas dane-se o álcool, eu quero mesmo é expor minha indignação inútil a quem quer que passe por aqui, seja agora ou na quarta-feira de cinzas.

Indignado estou com a preguiça e a indolência que se apossam das pessoas que defendem o jornalismo nos dias de hoje. Ainda que um jornalista não tenha obrigação de ser especialista em tudo, ele tem o deve moral de se resguardar no momento em que faz determinadas assertivas. O resguardo, neste caso, se traduz em apuração. Em disposição em checar dados, números, valores, ordens de grandeza. Note que não estou falando em confrontar opiniões, em pesar a opinião de um contra a de outro. O que falo aqui é de algo absolutamente objetivo.

Se você entrevista um cantor e ele lhe diz, com todos os dentes que tem na boca, que seu último álbum alcançou a vendagem de 50 milhões de cópias numa única semana apenas no Brasil, o jornalista tem o dever, assim que chegar à redação, de levantar se o dado tem o algum fundamento. Caso tenha esse trabalho, será fácil identificar que a informação do cantor não passa de pura cascata, pois o maior vendedor de discos da história da música brasileira (Roberto Carlos) vendeu, em 50 anos de carreira, algo próximo a 100 milhões de cópias. Como alguém pode apresentar metade desse desempenho em apenas uma semana, com um único trabalho?

Digo isso porque, passando o olho nesta noite de folia pelo noticiário de carnaval da internet, vi uma reportagem do portal jornalístico de maior audiência do país dando conta que o bloco Galo da Madrugada, o principal do carnaval do Recife, atraiu neste sábado um contingente de 1,5 milhão de pessoas. Não há, na matéria, qualquer referência quanto à fonte que baseia esse cálculo, nem mesmo se foi uma conta feita no olhômetro de algum responsável pela segurança do evento. Nada. Há apenas a afirmação curta e grossa: "cerca de 1,5 milhão de pessoas". Tudo bem.

Tudo bem coisíssima nenhuma! Caso a criatura que passou a nota para a redação (repórter), ou a que transcreveu a notícia (redator), ou mesmo a que aprovou o texto antes de publicá-lo (editor), tivesse o trabalho "hercúleo" de ir ao site do IBGE, veria que a população da capital pernambucana tem, segundo estimativas populacionais aferidas em 2008, pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Cacete, como é possível isso? Se a informação do portal, por um assombro da natureza, estiver correta, significa dizer que TODOS OS SERES HUMANOS (literalmente) que habitam a cidade do Recife se deslocaram para três ou quatro quarteirões da cidade a fim de acompanhar um único bloco de carnaval.

Ou seja, se uma mulher, naquele momento, estivesse prestes a dar a luz, teria que esperar um obstetra da cidade voltar da farra do Galo, onde todas as outras pessoas localizadas na mesma cidade (obstetras ou não) também estariam. Isso se a própria mulher prenha não estivesse também saltitando no frevo recifense. Pode? Não, é claro. E não adianta vir com a tese de que o carnaval do Recife atrai seus milhares de turistas nesta época do ano, porque nem mesmo uma leva de 500 mil forasteiros (num chute otimista) seria suficiente para bancar uma informação como a que circula hoje em inúmeros sites do país. Supondo que Recife tenha abarcado realmente meio milhão de turistas ao mesmo tempo no seu carnaval e que todos eles tenham se deslocado para o Galo da Madrugada, seria preciso que 2/3 da população local - incluindo idosos, crianças, deficientes e inválidos - também tenham optado por dançar o frevo atrás do famoso bloco. Isto, sob quaisquer circunstâncias ou pontos de vista, é absolutamente impossível.

Por que é tão difícil para jornalistas checar informações que parecem tão estranhas à primeira vista? Será mesmo só preguiça, vacilo profissional? Ou haveria algum interesse por trás de números inflados, projeções irreais, estimativas inchadas? Será que é impossível para um jornalista se dar conta que não há chance de todos os habitantes de uma cidade, seja ela uma metrópole ou um vilarejo, se aglomerarem num único espaço, por um mesmo motivo? Estariam eles levemente alcoolizados como eu?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Pagode. Pagode? Sim, pagode!

Sucesso nas vozes de muitos, cantado por milhões e criticado por tantos outros, o movimento do pagode que dominou quase todo o dial brasileiro nos anos 1990 foi e ainda é motivo de um ensurdecedor silêncio da inteligenzia cultural brasileira. Tratado à margem da compreensão de um movimento musical de cunho popular, o pagode é acometido do mesmo mal que, anos antes, deletou a música popular dos anos 1970 da história. Figuras proeminentes desta leva – Fernando Mendes, Odair José, Diana, José Augusto... – foram abolidos a fórceps da memória nacional pela patota intelectual que até hoje pauta o Segundo Caderno do Globo e a Ilustrada da Folha.

A mesma coisa ocorre com a turma do "pagode mauriçola da Cohab". Emergida nas paradas de sucesso de todo o Brasil no mesmo período de outros dois movimentos musicais muito populares – o neo-sertanejo e o samba reggae (ou axé music) – o pagode, já naquela época, era desconsiderado como uma das vertentes diretas do samba-canção ligado à Era do Rádio da década de 40 do século passado. Ignorada pela crítica quando do seu sucesso, a música que leva sua a marca continua sendo motivo de piada de salão nas rodas de gente bonita da Zona Sul que frequenta os pés limpos da Lapa. A mesma gente que, segundo Emílio Santiago, quando ouve Ataulfo Alves pela primeira vez num desses botecos acha que descobriu o Brasil.

À parte preferências musicais e gostos particulares, o pagode dos anos 90, assim como o rock brasileiro dos anos 80 e o punk inglês dos anos 70, teve muita coisa ruim, uma massa de material visivelmente oportunista de quem queria apenas pegar carona numa onda de sucesso e ganhar algum. Problema? Nenhum. Isso é absolutamente normal na indústria do show business, conduzida sempre por empresários que sofrem da estranha anomalia de possuírem cifrões no centro das suas retinas. O que estranha é o asco absoluto em relação à parte boa da coisa. Dá a impressão que, se alguém abrir a boca pra dizer que achava bonita tal música do Só Pra Contrariar, uma reação desproporcional virá em sequência. Tipo um "você tá cheirando o quê?" ou mesmo um tabefe, sei lá.

Como este blog é feito de notas e impressões sem compromisso, mas com total responsabilidade sobre os seus atos, escrevo aqui em caixa alta para todo mundo ler e ouvir: EU ME AMARRO NUNS PAGODES DOS KATINGUELÊ E DO SOWETO SIM! E que se danem os possíveis atos covardes que virão contra a minha pessoa, o que vai desde ser excluído de listas de e-mail até ser preterido da sagrada cerveja das sextas. Este é, acima de tudo, um manifesto em defesa do out, do kitsch, do brega, do popular. E é um protesto contra quem finge não saber a formação do paredão da semana do BBB, mas adora espiar o programa na alcova do edredom. Exatamente como faziam aqueles que tanto criticavam o humor pastelão dos Trapalhões, mas riam de se acabar com os quatro comediantes nas noites de domingo.

Chega de hipocrisia, porra!

Bom, feito o desabafo, justifico esse post com uma lista de clássicos da boa safra do pagode bate-coração que tanto embalou churrascos de colégio e festinhas de trabalho de então. E aqui vai uma confissão: ouvir boa parte dessas músicas via YouTube (a melhor coisa que já inventaram na internet ao lado do Google), depois de tanto tempo, me deu uma sensação muito boa. Além da nostalgia natural, das lembranças da vida levada à base de Sessão da Tarde, veio uma coisa do tipo "putz, não é que isso era legal mesmo?!". Sim, era e ainda é, da mesma forma que tantas e tantas coisas consagradas feitas nos anos 70 e 80 continuam sendo legais até hoje. No caso do pagode, do axé e do sertanejo, lhes falta apenas um reconhecimento dos formadores de opinião ao gosto popular brasileiro. Só isso.

Aliás, sobre essa coisa do reconhecimento, me lembrei de dois exemplos perfeitos: quando Maria Bethânia gravou "É o Amor" para a trilha do filme '2 Filhos de Francisco', os críticos de plantão tiveram de torcer o dicionário para justificar "a surpreendente beleza escondida na canção", a mesmíssima canção que, gravada anteriormente por Zezé di Camargo e Luciano, fora defenestrada pelos mesmos críticos, com aqueles argumentos rasos de sempre. Noutro caso, Caetano Veloso regravou "Você Não Me Ensinou a Te Esquecer", de Fernando Mendes, e revelou ao Brasil, com seu habitual talento, a beleza e a sinceridade de uma música que, se não fosse por ele, Caetano, continuaria fadada ao ostracismo juntamente com seu autor e primeiro intérprete.

Enfim, chega de papo e sobe o som!

1 - Tempo de Aprender (Soweto): http://www.youtube.com/watch?v=0aQJFHikABs

2 - Gamei (Exaltasamba): http://www.youtube.com/watch?v=ADkVayQrd4o

3 - Dói Demais (SPC): http://www.youtube.com/watch?v=iO9VxvdaoOI

4 - No Compasso do Criador (Katinguelê): http://www.youtube.com/watch?v=Il_tGxW1g5o

5 - Quando Te Encontrei (Raça Negra): http://www.youtube.com/watch?v=Msd_Ln5muig

6 - Ôa Ôa Canção do Amor (Art Popular): http://www.youtube.com/watch?v=wGdR9_aY4g0

7 - Já Tentei (Kiloucura): http://www.youtube.com/watch?v=K_wAVNBKcj0

8 - Búzios e Tarô (Soweto): http://www.youtube.com/watch?v=kOLJL9YXdU0

9 - Nascente (Sem Compromisso): http://www.youtube.com/watch?v=w4R70I3GJ54

10 - Desengano (Cor da Pele): http://www.youtube.com/watch?v=8c0jBXL03E0

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Nizan, Chiclete e os rumos do carnaval de Salvador

Ao lado, o Chiclete com Banana carrega sua multidão no carnaval de Salvador
Nizan Guanaes é publicitário, marqueteiro e ex-gordo. Bell Marques é músico, cantor e careca. Ambos são baianos de Salvador e apaixonados pela cidade que os une. A paixão em comum, no entanto, criou um atrito inesperado.

Na sua página no Twitter, Nizan surpreendeu muita gente neste dia 12 de janeiro, ao criticar duramente a capital baiana, o seu carnaval e um dos seus principais personagens: o vocalista da banda Chiclete com Banana. Bell, para Nizan, simboliza a mediocridade e a inércia em que se encontra a sua cidade natal.

Alguns comentários a respeito surpreenderam pelo grau de superficialidade e infantilização, em especial por ter vindo de quem veio.

Apesar disso, a provocação de Nizan é necessária e pertinente, ainda que as grosserias desnecessárias contra Bell tenham tirado o foco do que realmente pode ser discutido a fundo.

Artistas ou blocos, quem faz a festa?

Na modesta opinião de folião deste diletante blogueiro, que já acumula mais de 15 anos percorrendo aos pulos a Avenida Sete, o Farol da Barra e a Praça Castro Alves, o carnaval de Salvador trilhou nas últimas três décadas um caminho equivocado, ao descompassar a relação entre os artistas e as entidades/agremiações. O primeiro grupo, forjado a partir do segundo, tomou as rédeas do jogo.

Numa comparação superficial, mas verdadeira, seria como se o carnaval do Rio tivesse como âncoras principais Jamelão e Neguinho, e não a Mangueira e a Beija-Flor. Jamelão, maior intérprete (puxador não!) da história das escolas de sambas, infelizmente se foi em 2008. A Estação Primeira continua, e vai perdurar enquanto houver carnaval.

Desde o início dos anos 1980, grande parte dos blocos de Salvador, nas suas diferentes versões (de trio, afros, afoxés, de índios) contribuiu de forma fundamental para que se criasse uma gama de artistas locais. Esses, por sua vez, imprimiram um processo de estruturação no mercado musical da cidade, estimulando a entrada de novas bandas para um número cada vez maior de blocos. Grosso modo, um crescimento compartilhado.

Ao longo do tempo, porém, essas entidades carnavalescas, que carregavam a matriz histórica da festa, suas tradições e conceitos, acabaram perdendo espaço justamente para a nova geração de músicos e cantores que haviam criado. Geração essa que frutificaria em estrelas de primeira grandeza no cenário musical brasileiro. Foi um processo gradual e irreversível.

A partir dessa lógica, o chamariz para o povo ir ao carnaval deixou de ser o Bloco do Barão ou os Internacionais. A multidão queria era ver os donos do microfone, como Luiz Caldas e Chiclete com Banana – para citar alguns que, já naquela época, se destacavam no cenário carnavalesco soteropolitano, ao lado de Sarajane e das bandas Reflexus, Cheiro de Amor e Beijo.

Esses artistas, da metade da década de 1980 em diante, ultrapassaram as barreiras baiana e nordestina e fincaram pé no eixo Rio-SP. Passaram a vender muitos discos, milhões. A ponto de um movimento que nasceu local, apenas para abastecer blocos de carnaval na capital baiana, virar gênero musical da indústria fonográfica nacional, tendo como estopim o surgimento meteórico de Daniela Mercury em 1992.

E no Axé, não vai nada?

O Axé Music fez dinheiro, e muito, não só para as suas estrelas, mas para uma imensa massa de empresários, comunicadores, comerciantes, publicitários e picaretas de toda ordem que se instalou em sua órbita.

Nos tempos de vacas gordas estava tudo nos conformes: os artistas mantinham uma agenda repleta de shows e micaretas ao longo do ano em quase todos os estados do país, cantando “o lindo carnaval de Salvador e suas mil maravilhas”; o público babava com o oásis baiano cantado em verso e prosa e entupia a cidade na época do carnaval; os blocos vendiam abadás como água e garantiam pequenas fortunas aos seus gestores; e a cidade se estabelecia de vez como pólo principal da maior festa popular do Brasil.

Era uma época inegavelmente afortunada para a chamada música baiana e para o carnaval de Salvador. Em meados da década de 90 do século passado, os lançamentos de registros ao vivo de shows eram garantias de sucessos nacionais de vendas, numa época em que vender muito era algo acima do milhão de cópias. Nos anos de 1996 e 1997, por exemplo, Banda Eva (2,2 milhões de cópias), Netinho (2 milhões), É o Tchan! (1,8 milhão) e Cheiro de Amor (1,5 milhão) detinham números invejáveis para a época, e inimagináveis para os dias de hoje.

Acontece que, já no final dos anos 1990, o rebanho de astros e estrelas dava demonstrações de que começava a emagrecer. Suas vendas minguavam ano a ano (não por coincidência, o processo se desencadeou junto com a derrocada da indústria do disco em nível mundial).

De repente, máquinas de fazer dinheiro, lotar shows e vender discos como É o Tchan!, Netinho, Ara Ketu, Cheiro de Amor e a própria "Rainha do Axé", Daniela Mercury, se converteram em fracassos comerciais, em maior ou menor escala.

Registre-se que o movimento cíclico do carnaval fez surgir novas atrações, entre eles Babado Novo, que em pouco tempo daria lugar apenas a sua estrela, Claudia Leitte; Banda Eva, com o ótimo Saulo Fernandes; Margareth Menezes, que, embora veterana, renasceu para o carnaval da Bahia; e, acima de todos eles e de qualquer outro(a), o fenômeno Ivete Sangalo, egressa dos vocais da Banda Eva. Com dez anos de carreira, Ivete já ocupava confortavelmente o posto de maior artista do Brasil.

E o Chiclete?

Ao longo dos 30 anos em que se apresenta no carnaval de Salvador ininterruptamente (em 2010 completa a sua 31º performance nas ruas da cidade), o grupo liderado por Bell Marques alcançou uma posição icônica dentro da festa. Muito pelo fato de, em 1982, o trio do Chiclete (então servindo ao bloco Traz os Montes) ter sido o primeiro a adotar um equipamento de amplificação de som muito superior aos demais, algo até então inédito na história do trio elétrico.

Já no ano seguinte, via-se, sem exageros, que muitas pessoas literalmente iam para a avenida ver e acompanhar o Chiclete e seu trio, só. Criou-se entre banda e público uma relação que vai além da empatia. O Chiclete passou a ser visto pelo povo de Salvador, aquele que vai na “pipoca” do bloco ou mesmo o que vê os caminhões de longe, como o grande representante do carnaval da Bahia para o resto do Brasil. Como “a banda do povão”, que carrega consigo algo como a torcida do Flamengo, guardadas as devidas proporções.

Mas é injusto apontar a primazia na evolução tecnológica do trio como o único fator para o Chiclete se perpetuar como um gigante da festa – até porque a tecnologia do trio evoluiu muito além daquela novidade. O fato é que o Chiclete sabe levar um trio. Sabe conduzir a massa como poucos fazem. Tem o timing da galera. Ou seja, é bom de palco (móvel). É por isso que eles estão aí até hoje.

Além disso, Bell se revelou um homem de negócios astuto, sabendo encaminhar sua carreira com discrição ao mesmo tempo em que fazia ótimos negócios. Um deles foi a criação do principal bloco “alternativo” do carnaval de Salvador, o Nana Banana (que é franqueado nas poucas micaretas que ainda resistem Bahia a fora). Outro foi a associação aos donos do Camaleão para a criação de uma empresa de venda de abadás e pacotes de carnaval, a Central do Carnaval, líder absoluta neste negócio.

Isso tudo somado transformou o Chiclete com Banana numa marca muito forte do carnaval e, por extrapolação, da própria Bahia. Tornou-se algo como o Galo da Madrugada no carnaval do Recife: uma expressão tão grande quanto à própria festa, capaz de chamar público por si só. Não à toa seus shows continuam enchendo e suas vendagens de CDs e DVDs são boas para os padrões atuais. São méritos incontestáveis (artísticos e comerciais) deles próprios.

Quanto à peruca de trancinha do Bell e sua calvície, deixo a opinião de Nizan apenas para ele. Tomara que ele próprio faça o mesmo daqui para frente...

E os rumos do carnaval?

Com a queda vertiginosa nas vendas de discos (não só da música baiana, registre-se) já na década atual, o número expoente de artistas que “vendiam” a Bahia e o seu carnaval caiu proporcionalmente. A quantidade de estrelas, de primeira ou segunda grandeza em nível nacional, idem. Os efeitos vieram a reboque. Os blocos já estão sentindo isso na pele (entenda-se no bolso).

Se há oito anos víamos situações absurdas, como o bloco Camaleão esgotar a venda de abadás para o carnaval do ano seguinte três dias depois do encerramento do carnaval anterior, este ano o quadro de vendas das grandes corporações comerciais que regem a folia baiana mostra sinais claros de um certo esgotamento (do modelo? dos artistas? da música? da festa?).

A exatos 30 dias para o início do carnaval, nenhum dos quase vinte blocos comercializados pela Central do Carnaval estão lotados, para dia algum. Mesma situação se vê no Reino da Folia, empresa espelho da Central administrada pela banda Asa de Águia. Seus blocos continuam lá, todos eles disponíveis, parecendo que a festa ainda está a mais de três dígitos de dias para se iniciar. Situações como essas jamais ocorreram nesses últimos 30 anos em Salvador.

Talvez isso demonstre que a ideia, orquestrada ou não, de colocar os artistas da música comercial baiana à frente de todas as tradições do carnaval foi um risco pouco calculado à época, cujo preço pode começar a ser pago neste carnaval de 2010. Não acredito num cenário desolador de blocos e ruas vazias (ou pouco cheias), mas acho que a falta de um pensamento mais amplo quanto aos rumos da festa – algo como um planejamento estratégico de longo prazo – terá de tomar conta das agendas dos órgãos gestores.

A rigor, hoje o carnaval de Salvador tem apenas quatro âncoras capazes de gerar apelo de público, seja de dentro ou de fora da cidade e do estado: Ivete, Chiclete, Asa e Claudinha. Quatro artistas inegavelmente talentosos, versáteis e populares, mas cujo alcance artístico de “astros de trio/bloco” limita sobremaneira uma festa tão plural, diversa e multirreferencial como (ainda) é o carnaval de Salvador.

Cadê a manifestação orgulhosamente autêntica dos blocos afros da Bahia, capitaneados pelo Ilê Aiyê, Olodum, Muzenza, Malê Debalê, entre outros? Onde está a valorização maior aos afoxés, da imagem alva eternizada pelos Filhos de Gandhy singrando as avenidas ao som do ijexá? Os cortejos populares e os blocos de manifesto, como o Mudança do Garcia, morreram dentro da profissionalização (ainda que necessária) da festa?

Acredito que estes questionamentos tenham feito parte da abordagem que Nizan Guanaes fez no seu Twitter. E tem todo o direito de fazê-lo (tomara que sem ataques pessoais), pois ele mesmo já transcreveu numa música, exaltada ano após ano nas ruas da Bahia, a força da maior festa de rua do Brasil.

“Vai compreender que o baiano é um povo a mais de mil
Que ele tem Deus no seu coração
E o diabo no quadril”.

Apesar de tudo, e com fé no futuro, viva o carnaval de Salvador!