segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Brincando de PVC: as diferenças ao final dos turnos na Era dos Pontos Corridos
Para quem gosta de futebol, acompanhar o Campeonato Brasileiro pelo termômetro das redes sociais pode ser tão ou mais divertido que muitos dos jogos da própria competição. A dança das cadeiras envolvendo candidatos ao título e postulantes às vagas na Libertadores faz mudar os personagens a cada gol, a cada vitória suada ou a cada ponto conquistado. Um golzinho nos acréscimos do árbitro pode mudar tudo, e haja 140 caracteres para desabafar!
Ontem mesmo, no Facebook, um amigo tricolor jogou a toalha após Ronaldinho Gaúcho marcar seu golaço no clássico contra o Cruzeiro, que colocava o Atlético-MG à frente do placar (2x1) e líder absoluto do Brasileirão 2012.
- Infelizmente, tenho que admitir: o brasileiro deste ano já tem dono. Vou ter que dar uma de vascaíno e torcer pelo vice-campeonato – lamentava ele.
Quando li o post, já no final da partida, resolvi ponderar, dizendo que estávamos apenas na metade do torneio e que muita água ainda iria rolar. Antes mesmo de escrever a mensagem, gol de empate do Cruzeiro!, e vários outros tricolores não demoraram a comemorar, em letras garrafais:
- FLUZÃO RUMO AO TETRA!
O que um golzinho maroto do adversário de amanhã – mas aliado de hoje – não faz...
Minutos depois, numa mesa redonda de fim de domingo, um comentarista, após analisar a tabela de classificação da 19º rodada, não titubeou ao declarar que a disputa do título estará restrita a Atlético-MG e Fluminense (líder e vice-líder). Como no lamento do meu sofrido amigo tricolor, vi naquela afirmação uma boa dose de precipitação, baseado no fato de que teremos ainda 57 pontos a serem disputados na segunda parte do Campeonato. Mas fiquei pensando se, talvez, ele não estivesse com a razão. Não pela capacidade de prever o futuro, mas pela análise do que aconteceu no passado.
Como não sou adivinho, muito menos comentarista esportivo, resolvi tirar a limpo a questão do passado e conferir as mudanças que ocorreram nas primeiras posições na classificação ao final de cada um dos turnos dos Campeonatos Brasileiros da chamada Era dos Pontos Corridos – ou seja, entre 2003 e 2011.
Em suma: graças à ajuda da insônia, revolvi brincar de PVC.
Devo dizer que, por não ter o talento daquele ciborgue disfarçado de cronista esportivo, não consegui chegar a lugar algum tentando decifrar tantos e tantos números. Pude, entretanto, notar algumas coisas:
• Dos nove Campeonatos Brasileiros de pontos corridos realizados até hoje, apenas em dois deles (2008 e 2009) o campeão do primeiro turno não foi o campeão do segundo turno – e da própria competição.
• Apenas em 2009 o time que viria a se sagrar o campeão Brasileiro – Flamengo – não estava entre os primeiros colocados ao final do primeiro turno.
• Em sete dos Campeonatos Brasileiros de pontos corridos, de um total de nove (o que dá cerca de 77%), mais da metade dos times que terminaram o primeiro turno na ponta de cima da tabela fecharam o returno no mesmo grupo dos primeiros.
• Apenas nos Campeonatos de 2007 e de 2010 mais da metade das cinco primeiras posições ao final do Campeonato eram ocupadas por times que não estavam entre os cinco primeiros ao final do primeiro turno.
• São até numerosos os exemplos de times que fecharam o primeiro turno na metade de baixo da tabela e conseguiram, no returno, se recuperar com força e chegar entre os primeiros colocados: São Caetano, em 2003; Atlético-PR, em 2005; Flamengo e Fluminense, em 2007; Cruzeiro, em 2009; Grêmio, em 2010; e Fluminense, em 2011.
• Apenas o Criciúma, em 2003, e a Ponte Preta, em 2005, saíram das primeiras posições ao final do primeiro turno do torneio para a metade de baixo da tabela ao final do segundo turno.
• Embora não apareça na compilação abaixo, a maior recuperação que um time já obteve em um segundo turno aconteceu em 2003, quando o Goiás ganhou 44 pontos (64% dos pontos possíveis) e terminou a competição em 9º lugar – ao fim do primeiro turno, o Goiás tinha 21 pontos e ocupava a última posição na tabela.
É possível que haja outras coisas interessantes nessa numeralha toda, mas a insônia já passou e eu vou dormir.
Abaixo, a comparação dos primeiros colocados nos dois turnos em todos os Campeonatos Brasileiros de pontos corridos, com uma pequena análise de quem saiu e de quem entrou no grupo de cima, em cada um dos turnos. Como os Brasileiros entre 2003 a 2005 tinham mais de 20 clubes, fechei em seis clubes, e não em cinco, o chamado "grupo de cima" nesses anos.
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BRASILEIRO 2003
23ª rodada:
1º) Cruzeiro - 47
2º) Santos - 44
3º) São Paulo - 42
4º) Coritiba - 39
5º) Atlético-MG - 38
6º) Criciúma - 37
46ª rodada:
1º) Cruzeiro - 100
2º) Santos - 87
3º) São Paulo - 78
4º) São Caetano - 71
5º) Coritiba - 73
6º) Internacional - 72
ANÁLISE: Quatro dos seis primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Atlético-MG terminou o campeonato em 7º (72) e o Criciúma em 14º (60). Ao final do primeiro turno, o Internacional era 7º (36) e o São Caetano era 11º (32).
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BRASILEIRO 2004
23ª rodada:
1º) Santos - 41
2º) Ponte Preta - 41
3º) São Paulo - 41
4º) Palmeiras - 40
5º) Atlético-PR - 38
6º) Juventude - 38
46ª rodada:
1º) Santos - 89
2º) Atlético-PR - 86
3º) São Paulo - 82
4º) Palmeiras - 79
5º) Corinthians - 74
6º) Goiás - 72
ANÁLISE: Quatro dos seis primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Juventude terminou o campeonato em 7º (70) e a Ponte Preta em 10º (64). Ao final do primeiro turno, o Goiás era 7º (36) e o Corinthians era 9º (34).
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BRASILEIRO 2005
21ª rodada:
1º) Corinthians - 42
2º) Fluminense - 38
3º) Goiás - 37
4º) Paraná - 37
5º) Internacional - 34
6º) Ponte Preta - 33
42ª rodada:
1º) Corinthians - 81
2º) Internacional - 78
3º) Goiás - 74
4º) Palmeiras - 70
5º) Fluminense - 68
6º) Atlético-PR - 61
ANÁLISE: Quatro dos seis primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Paraná terminou o campeonato em 7º (61) e a Ponte Preta em 18º (51). Ao final do primeiro turno, o Palmeiras era 8º (32) e o Atlético-PR era 16º (25).
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BRASILEIRO 2006
19ª rodada:
1º) São Paulo - 38
2º) Internacional - 34
3º) Santos - 32
4º) Paraná - 31
5º) Grêmio - 29
38ª rodada:
1º) São Paulo - 78
2º) Internacional - 69
3º) Grêmio - 67
4º) Santos - 64
5º) Paraná - 60
ANÁLISE: Todos os cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno.
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BRASILEIRO 2007
19ª rodada:
1º) São Paulo - 40
2º) Botafogo - 33
3º) Cruzeiro - 32
4º) Vasco - 31
5º) Palmeiras - 30
38ª rodada:
1º) São Paulo - 77
2º) Santos - 62
3º) Flamengo - 61
4º) Fluminense - 61
5º) Cruzeiro - 60
ANÁLISE: Apenas dois dos cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Palmeiras terminou o campeonato em 7º (58), o Botafogo em 9º (55) e o Vasco em 10º (54). Ao final do primeiro turno, o Santos era 8º (27), o Flamengo era 11º (27) e o Fluminense era o 12º (26).
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BRASILEIRO 2008
19ª rodada:
1º) Grêmio - 41
2º) Cruzeiro - 36
3º) Palmeiras - 34
4º) São Paulo - 33
5º) Vitória - 32
38ª rodada:
1º) São Paulo - 75
2º) Grêmio - 72
3º) Cruzeiro - 67
4º) Palmeiras - 65
5º) Flamengo - 64
ANÁLISE: Quatro dos cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Vitória terminou o campeonato em 10º (52). Ao final do primeiro turno, o Flamengo era 7º (31).
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BRASILEIRO 2009
19ª rodada:
1º) Internacional - 37
2º) Palmeiras - 37
3º) Goiás - 35
4º) São Paulo - 33
5º) Atlético-MG - 32
38ª rodada:
1º) Flamengo - 67
2º) Internacional - 65
3º) São Paulo - 65
4º) Cruzeiro - 62
5º) Palmeiras - 62
ANÁLISE: Três dos cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Atlético-MG terminou o campeonato em 7º (56) e o Goiás em 9º (55). Ao final do primeiro turno, o Flamengo era 7º (29) e o Cruzeiro era 14º (22).
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BRASILEIRO 2010
19ª rodada:
1º) Fluminense - 38
2º) Corinthians - 37
3º) Santos - 31
4º) Internacional - 31
5º) Botafogo - 31
38ª rodada:
1º) Fluminense - 71
2º) Cruzeiro - 69
3º) Corinthians - 68
4º) Grêmio - 63
5º) Atlético-PR - 60
ANÁLISE: Apenas dois dos cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O Botafogo terminou o campeonato em 6º (59), o Internacional em 7º (58) e o Santos em 8º (56). Ao final do primeiro turno, o Cruzeiro era 6º (31), o Atlético-PR era 7º (27) e o Grêmio era 16º (20).
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BRASILEIRO 2011
19ª rodada:
1º) Corinthians - 37
2º) Flamengo - 36
3º) São Paulo - 35
4º) Vasco - 35
5º) Botafogo - 34
38ª rodada:
1º) Corinthians - 71
2º) Vasco - 69
3º) Fluminense - 63
4º) Flamengo - 61
5º) Internacional - 60
ANÁLISE: Três dos cinco primeiros se mantiveram na ponta entre o término do primeiro e do segundo turno. O São Paulo terminou o campeonato em 6º (59) e o Botafogo em 9º (56). Ao final do primeiro turno, o Internacional era 8º (27) e o Fluminense era 11º (25).
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Dois anos para 27. E o mundo espera
Neste último domingo, Lionel Messi completou 25 anos de vida. O que significa dizer que daqui a dois anos, quando estiver em meio à disputa da Copa do Mundo do Brasil, o argentino estará chegando aos 27.
É bem possível que, nesse meio tempo, La Pulga aumente ainda mais a sua já considerável coleção de feitos pessoais, logrando uma Liga dos Campeões aqui, um Campeonato Espanhol ali, umas Copas do Rei acolá. E é bem possível também que Messi, como de costume, dê um show particular em todas essas possíveis conquistas, assombrando o mundo como vem fazendo com certa assiduidade há coisa de quatro anos.
Mas se, do contrário, Leo Messi não conquistar nem mais um título sequer e passar em branco de qualquer uma das artilharias dos campeonatos que disputar, ainda assim, ele entrará em campo nos estádios brasileiros pronto para fazer da Copa do Brasil a sua Copa. Tanto quanto a de 1974 foi de Cruyff, a de 1986 de Maradona, a de 1994 de Romário e a de 2006 de Zidane.
Voltando ao presente: Messi chega hoje aos 25 anos tendo obtido um cartel de conquistas pessoais e coletivas que pouquíssimas vezes se viu na história do futebol. Um currículo que expõe em letras garrafais a capacidade de decidir e de se posicionar como estrela em um time que orbita além da curva da normalidade.
Messi é o caso raro no qual a objetividade individual está sempre unida, visceralente, ao jogo coletivo. Por mais que uma vitória tenha a sua marca através de um gol antológico, ele parece sempre servir mais aos companheiros do que a si próprio. No mundo do futebol de hoje, é caso para estudos.
Os que colocam em dúvida o lugar de Messi no panteão seleto dos imortais da bola usam, geralmente, dois argumentos para confrontá-lo: a falta de atuações convincentes em número expressivo pela seleção argentina e, em consequência, a ausência de uma Copa do Mundo na sua prateleira de feitos.
Quanto às atuações pela Argentina, não é necessário nem muito para defendê-lo – e não me refiro à natural falta de entrosamento em um time que poucas vezes joga junto. Basta dizer que pouco (ou nada) importa comer a bola contra a Bolívia ou a Venezuela pelas Eliminatórias se você tem o hábito de degustar o excepcional time do Real Madrid com requintes de crueldade pelo menos duas vezes por temporada. E isso, ninguém pode negar, Messi sabe fazer como ninguém.
De fato, a grande questão que se coloca para o argentino a essa altura da vida – e por isso a lembrança dos 27 anos que ele completará durante a próxima Copa – está na capacidade de conduzir, como protagonista, a Argentina para uma terceira conquista mundial.
Lionel Messi, creio, tem absoluta ciência desse desafio que se impõe. Ele sabe que a sua grande Copa dificilmente será a da Rússia em 2018 (aos 31 anos), tampouco a do Qatar (com pesados 35 anos) em 2022.
Tal como Romário, que chegou aos Estados Unidos com a "maturidade" dos seus 28 anos aliando uma fase espetacular à experiência de Copas anteriores malsucedidas, o argentino terá no Brasil um conjunto de fatores perfeito para brilhar, individual e coletivamente.
Messi não terá a preocupação de obrigatoriamente fazer da Copa do Brasil um trampolim para o sucesso próprio na carreira. Ele desembarcará por aqui tendo conquistado tudo; todos os torneios, todas as premiações, toda a fortuna que poderia. Mas se por um lado ele poderá jogar livre de ambições pessoais, por outro ele terá consigo a marcação cerrada da opinião pública, dos compatriotas e dos colegas de seleção.
No Brasil, Messi terá que chamar para si a responsabilidade de se fazer eterno, incontestável e gigante na história do futebol mundial. E ninguém há de duvidar que a conquista de uma Copa do Mundo, em território brasileiro, o colocará acima de qualquer outro em seu país. Mario Kempes e Diego Maradona certamente sabem disso.
Quando o árbitro apitar o início da partida no estádio do Itaquerão no dia 12 de junho de 2014, estará começando, com o Brasil em campo, a Copa do Mundo de 2014. Faltando menos de dois anos, ainda se discute em quais condições as principais seleções chegarão, os nomes dos potenciais candidatos a artilharia e a lista dos possíveis azarões. Uma das poucas certezas está no nome e no sobrenome da estrela maior da competição: Lionel Messi.
O que resta saber é se o gênio argentino multicampeão e três vezes (por enquanto) melhor jogador do planeta conseguirá responder a todos os questionamentos que ainda o cercam no momento em que o juiz encerrar, no Maracanã, o jogo do dia 13 de julho de 2014. O maior deles: estará Messi em campo, pronto para erguer a taça?
Esse enredo só ele poderá escrever. E justamente aqui, no Brasil.
Rezemos.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Gigante pela própria natureza rubro-negra?
Sou flamenguista e amo meu time. Já chorei e ainda choro por ele, nas alegrias e nas tristezas. Vou chorar ainda, tenho certeza.
Isto posto, nunca me vi impedido, pela paixão, de ver as coisas como elas realmente são, ao menos sob o meu juízo de valor.
Se determinada avaliação sobre o time, o clube, a comissão técnica ou a diretoria não é aquela que eu gostaria que fosse, faço o máximo esforço para não me enganar tentando ver cor-de-rosa onde só há marrom.
Em se tratando do objeto que envolve um sentimento por vezes irracional, irascível na sua essência, é algo mais difícil do que parece à primeira vista.
A ocorrência de mais um vexame protagonizado pelo Flamengo numa Taça Libertadores da América, após derrotas para fraquíssimos times como Olímpia e Emelec (para não lembrar da Copa Sul-Americana em 2011), provocou em mim um turbilhão de pensamentos, a maioria deles imbuído de uma profunda raiva, típica do torcedor apaixonado/decepcionado. Mas, além disso, me fez voltar a pensar sobre algo que já me veio em outras ocasiões aleatórias.
Seria o gigantismo do Flamengo, na sua essência, uma interrogação? A enormidade absoluta que cultuamos como intocável, sempre existiu?
Explico-me, antes das pedradas que possam vir: o Flamengo sempre foi grande, muito grande. Sob influência das emissoras de rádios e posteriormente de televisão, todas de alcance nacional sediadas no Rio, o Flamengo amealhou com o tempo adeptos dos mais variados rincões do Brasil, o que ajudou a formar a maior torcida de futebol do país.
Sempre fomos o time do povo, e a imensa massa adotou o Maracanã como casa, talvez por ser a única que pudesse abrigar a legião incontável.
Os questionamentos acima, portanto, não se referem à grandeza do Flamengo como clube, como marca ou símbolo do esporte nacional.
Falo do futebol rubro-negro.
Do que éramos antes do surgimento da Era Zico, do que passamos a ser com ela e do que somos hoje, anos após o seu fim.
No ano que marca o centenário do futebol rubro-negro, e levando-se em conta toda a grandeza histórica, é possível afirmar, sem ferir o bom senso, que o Flamengo nunca foi um gigante absoluto antes de Zico e companhia.
Ao longo de 67 anos de várias conquistas estaduais e muitos craques desfilando com o manto sagrado nos campos do Brasil e do mundo, nosso maior título conquistado havia sido o Torneio Rio-S. Paulo de 1961.
Ok, os campeonatos estaduais tinham mais relevância naquela época, alguns contavam como grandes conquistas (como os três tricampeonatos), mas já eram, desde o final dos anos 1950 e início dos 60, vistos como torneios locais, menores. Assim é até hoje.
Além do nosso quintal, a rigor, a glória única rubro-negra era mesmo o Rio-S. Paulo de 1961.
Por outro lado, nossos rivais já tinham ido muito além de nós.
O Santos com a avalanche da Era Pelé e seus Mundiais, Libertadores e Taças Brasil (várias); Palmeiras e Fluminense com as Copas Rio (com status de Mundiais), Robertões e Brasileiros; Vasco e seu Sul-americano e Brasileiro; Botafogo, Cruzeiro, São Paulo, Atlético e Bahia abocanhando os Nacionais...
A lista é grande e dimensiona com clareza a carência vivida pelos que já formavam a Nação Rubro-Negra.
Faltava ao futebol do Flamengo um currículo à altura da sua grandeza, o que só viria a ser corrigido pela geração encabeçada por Arthur Antunes Coimbra. Repito: 67 anos depois de o Flamengo começar no futebol.
Algo de sobrenatural e inexplicável tratou de redimir essa injustiça histórica de décadas, forjando num mesmo momento, num mesmo local, um dos maiores times de todos os tempos que o mundo já viu.
E o que se viu, a partir dos anos 1980, foi o Flamengo provocar em si mesmo uma mudança radical de patamar no contexto do futebol brasileiro e internacional.
Ao ganhar uma sequência de Mundial, Libertadores e quatro Brasileiros, aquela geração reposicionava o grande clube, que mesmo sem uma grande performance histórica sempre deteve a maior torcida do país, para o nível dos gigantes do mundo do futebol – agora com currículo, taças e tudo mais.
A Era Zico nos deu o maior Flamengo possível, cujo mais sofredor e fanático torcedor talvez nem sonhasse em ver um dia.
Vou mais além: credito ainda as conquistas da Copa do Brasil de 1990 e dos Brasileiros de 1992 e 2009 àquela geração de ouro, dado que as participações de Júnior (como jogador nos dois primeiros) e de Andrade (como técnico no último) foram absolutamente cruciais para os títulos tomarem o caminho da Gávea.
O que se vê no pós-Zico é outro clube, muito maior e mais representativo – agora não só dentro daquele conceito de grandeza subjetiva, mas em conquistas efetivas – comparado ao que era poucos anos antes.
E o que seremos daqui para frente?
Pois bem, a cada novo baque, a cada decepção internacional ou vexame local, essa questão bate a minha cabeça. Passaremos décadas tentando nos desvincular de um passado majestoso, imponente, mas que parece sombrear cada nova geração como um fantasma a ser batido?
Vale lembrar que o Santos passou por isso anos a fio, desde o fim de Pelé, até formar a turma de Robinho e Diego e, logo depois, de Neymar e Ganso. Voltou a ser um monstro do futebol.
É bem verdade, e isso deve ser registrado, que pelo menos três títulos relevantes foram levantados após a dissolução da Era Zico, sem a participação de nunhum membro daquela saga: a Copa Mercosul de 1999, a Copa dos Campeões de 2001 e a Copa do Brasil de 2006. Todos torneios oficiais, de destaque. Mas o Flamengo que emergiu após do advento do Messias de Quintinho e seus Apóstolos pede mais que isso.
Creio que seja justamente nessa ânsia de se provar enorme como sempre fomos (sempre?) que o Flamengo talvez encontre o seu maior dilema hoje: virar a página de uma fase espetacular e ganhar musculatura em meio ao gigantismo do futebol atual, dominado não só por bons times e craques da moda, mas também por muito dinheiro, estrutura, planejamento, marketing, patrocínios, sócios...
Com as bênçãos de Júnior, Adílio, Raul, Nunes, Leandro, Tita, Andrade, Mozer e do Galinho Zico: o gigante Flamengo deixado por vocês precisa renascer!
Isso vai acontecer, tenho certeza. Não há como voltar atrás e ver o bonde do futebol moderno passar sem que estejamos dentro dele.
A dúvida que fica para mim é se levaremos muito ou pouco tempo para seguirmos em frente.
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