sábado, 29 de agosto de 2009

Um sábado de sol, saudades e certezas

O sábado de sol de inverno do Rio, agradável como deveria ser sempre, me trouxe uma notícia triste e uma certeza já no seu fim.

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A ocorrência entristecedora me abateu assim que soube da morte de Doalcei Bueno de Camargo, locutor de grande tradição e enorme talento que por décadas abrilhantou o rádio esportivo do Rio de Janeiro. Chamado carinhosamente de Dodô pelos colegas do programa "Bola em Jogo" da rádio Tupi – do qual participava todos os domingos –, Doalcei representava uma era de ouro do rádio brasileiro, numa época em que o futebol narrado por esse rádio não era menos reluzente. Da sua voz e através dos microfones que empunhava nasciam gols incríveis, que na rítmica veloz das palavras e na potência dos gritos (não confundir com berros) eram sempre golaços – talvez não tão belos assim para os que os viam sem escutá-los por Doalcei. Juntamante com Waldir Amaral, Jorge Cury, Mário Vianna (lançado como comentarista pelo próprio Dodô), Tércio de Lima, Fiori Gigliotti, Danilo Bahia e outros que já se foram, as tabelas entre Mané Garrincha e Denner ganharão outro colorido na voz do grande Doalcei Bueno de Camargo.

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Pouco depois, fui lembrado que neste 29 de agosto de 2009, Michael Jackson completaria 50 anos de enormes serviços prestados à cultura pop do século XX. Não se trata propriamente de uma lembrança saudosa, pois a imagem de Jacko ainda está viva nos jornais e na televisão à medida que a polícia de Los Angeles revela os capítulos ainda nebulosos de sua morte. Mas, em meio às descobertas da investigação e ao disse-me-disse das inevitáveis teorias conspiratórias, um detalhe me satisfaz neste post mortem: a garotada (e a coroada) de hoje, enfim, (re)descobriu o gênio chamado Michael Jackson! Essa era a minha maior esperança, que instigadas pelo infeliz desaparecimento da figura humana degradada e desforme na qual ele se transformou há alguns anos, as pessoas que não o conheceram como artista se sentissem provocadas a procurar pelo seu imenso e fantástico legado. Não somente pelas milhões de cópias vendidas desde o fatídico dia, mas, principalmente, por ver crianças, jovens e adultos imitarem o moonwalk e cantarem as suas músicas, fico cada vez mais certo de que a arte de Michael Jackson permanecerá viva eternamente entre nós, mortais.

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E que os próximos sábados se sol, no inverno ou no verão, nos tragam a sapiência de poder enfrentar os problemas com bom senso.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Jac, a mais bela das telas de cinema


Na primeira vez em que encarei os indescritíveis olhos verdes de Jacqueline Bisset, lembro que fiquei estático diante da TV. Fosse numa sala de cinema, com todas aquelas dimensões superlativas, não sei como reagiria. A figura clássica, naturalmente imponente, um tanto misteriosa, cujo rosto poucos adjetivos podem resumir, me fez pensar algo do tipo "nunca vi mulher mais bonita em toda minha vida!". Isso já faz quase duas décadas, e ainda estou à procura de outro parâmetro de beleza, seja no cinema, seja por aí.

Não há nada ali que seja falso, artificial, imposto ou botocado. O que me instigava nela era a capacidade de sair de um mergulho no mar mais bonita do que entrou, como se fosse numa banheira com sais e essências. A estrela de cinema que ela interpreta muito bem em A Noite Americana, de François Truffaut, é um caso à parte. A figura daquela mulher no quarto ainda de camisola (ou seria um blusão?), pouco depois de acordar, é o estado da arte da beleza feminina. E como Jacqueline Bisset era feminina...

Vi mais alguns filmes dela – todos inferiores a A Noite Americana – incluindo Uma Questão de Classe, em que ela tem um caso com o melhor amigo do filho, interpretado por Rob Lowe, galã maior daquele início de anos 80. Mas a imagem naturalmente sensual e provocativa no filmaço do Truffaut (vale garimpar nas locadoras), irretocável até para o mais exigente dos pintores renascentistas, será sempre a primeira de Jacqueline Bisset que virá a minha mente.

Abaixo, a própria, no auge do esplendor:




domingo, 16 de agosto de 2009

Grandes pensamentos de 140 caracteres - 1

"O futebol carioca merece um minuto de silêncio antes de todos os jogos do campeonato. Faleceu pequeno, pobre e nostálgico. Triste."
twitter.com/OldonMachado

Grandes pensamentos de 140 caracteres - 2

"Enquanto perdurarem os conceitos de lógica e de justiça através dos pontos corridos, o outrora grande Flamengo será um eterno coadjuvante."
twitter.com/OldonMachado

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Os botões do Rei e a ditadura argentina: uma piada

Imagine a cena: milhares de jovens com sangue de rebeldia no rosto, com bandeiras e armas brancas em punho, marchando em bloco em largas avenidas em direção a soldados munidos de cassetetes e escudos. Tudo desenhado para um embate de força e de ideais entre revolucionários e reacionários. Tensão. De repente, um dos jovens puxa uma canção proibida pelo governo local, no intuito de incitar ainda mais seus pares contra a frente militar. Portanto um megafone, ele entoa, num cântico bradado pela rouca voz juvenil:

"Amanhã de manhã
Vou pedir o café pra nos dois
Te fazer um carinho e depois
Te envolver em meus braços..."

A piada me veio à cabeça nesta quarta-feira, quando um fato insólito tornou-se público. O governo da Argentina divulgou uma lista com 150 canções proibidas no país durante os anos de chumbo, e o mundo então descobriu que algumas das maravilhosas pérolas de amor produzidas por Roberto Carlos ao longo da década de 70 eram vistas com maus olhos pelos comandantes vizinhos. As canções de Roberto que ficaram impedidas de tocar na terra do tango durante os anos negros foram "Seu Corpo", "O Progresso", "Os Seus Botões", "Ilegal, Imoral e Engorda" e "Café da Manhã". Eric Clapton, Rod Stewart e Donna Summer (sim, aquela da disco music que cantava "So lets dance!") também não podiam ser ouvidos nas ruas de Palermo e adjacências.

A revelação só reforça a tese – cada vez mais irrefutável – de que toda ditadura, em sua essência, é estúpida nos seus princípios, meios e fins. Nesse caso recém-descoberto, os generais portenhos conseguiam enxergar perigo, ou ameaça, ou rebeldia, ou resistência... nas imagens lascivas eternizadas pelo Rei.

Fico imaginando um sensor trajado de farda e quepe escutando numa sala versos como "No seu corpo é que eu encontro / Depois do amor o descanso / E essa paz infinita...". O cara devia ter intuído:

- Hummm... Então quer dizer que, depois de transar, ele se deita na mulher e fica nessa paz infinita, não é? Mas e se os dois começarem a tramar alguma coisa naquela pasmaceira toda? E se for uma suruba, aí vão ser vários pervertidos tramando juntos! Não, muito perigoso. Proíbe!

No Brasil, as canções românticas de Roberto e Erasmo eram vistas com desdém pelos militares, muito pelo fato de os dois, Roberto em especial, nunca terem sido atores políticos atuantes naquele período. Por outro lado, a grande maioria dos protagonistas da cena musical nesses embates com o governo era cercada e vigiada a cada gravação. É engraçado ver como os militares eram inábeis tanto de um lado quanto de outro. Ao darem de ombros para a "alienação" cantada por Roberto, mensagens de protesto ("Tudo em volta está deserto, tudo certo / Tudo certo como dois e dois são cinco") não tão sutis assim eram ignoradas. Na outra ponta, os próprios alvos recorrentes da censura conseguiam, vez ou outra, mandar suas letras para quem quisesse entender. "Cálice", de Chico e Gil, seja talvez o melhor exemplo disso.

Na lista de músicas de Roberto Carlos vetadas pelo governo autoritário argentino, pode-se dizer que algumas coisas até podem caber num enquadramento proibitivo, se pensarmos com a cabeça de quem quer achar pelo em ovo. Quando um cara qualquer se dá conta de que, vivendo condenado a fazer o que quer, todas as suas escolhas são consideradas ilegais, imorais ou pouco saudáveis, não é difícil ver aí um pessoa cerceada por determinações vindas de cima para baixo. Isso, chegando aos olhos mais atentos da censura, pode ser enquadrado numa crítica ao sistema.

Mas e no caso de "Café da Manhã", o que diabos pode haver de subversivo ali? É só pegar a letra da música para constatar que aquilo é puro deleite de quem acabou ter uma tórrida noite de sexo, sem se importar com nada do que lembre ditadura, movimento armado ou clandestinidade. O cara só estava feliz porque trepou com a mulher, e bem!

Uma dúvida parece sobressair dessa revelação histórica: ou os milicos hermanos são muito mais pudicos do que os nossos ou são mais burros mesmo. Particularmente, aposto nas duas coisas.