sábado, 13 de fevereiro de 2010

A preguiça jornalística me irrita, mesmo num sábado de carnaval

Hoje é dia 13 de fevereiro, sábado de carnaval. Já é noite, eu estou levemente alcoolizado, mas, ainda assim, estou agora intrigado com algo que não me diz respeito. Isso não faz o menor sentido, pois era hora de eu estar em alguma rua ou avenida tratando de permanecer em níveis alcoólicos ainda maiores. Mas dane-se o álcool, eu quero mesmo é expor minha indignação inútil a quem quer que passe por aqui, seja agora ou na quarta-feira de cinzas.

Indignado estou com a preguiça e a indolência que se apossam das pessoas que defendem o jornalismo nos dias de hoje. Ainda que um jornalista não tenha obrigação de ser especialista em tudo, ele tem o deve moral de se resguardar no momento em que faz determinadas assertivas. O resguardo, neste caso, se traduz em apuração. Em disposição em checar dados, números, valores, ordens de grandeza. Note que não estou falando em confrontar opiniões, em pesar a opinião de um contra a de outro. O que falo aqui é de algo absolutamente objetivo.

Se você entrevista um cantor e ele lhe diz, com todos os dentes que tem na boca, que seu último álbum alcançou a vendagem de 50 milhões de cópias numa única semana apenas no Brasil, o jornalista tem o dever, assim que chegar à redação, de levantar se o dado tem o algum fundamento. Caso tenha esse trabalho, será fácil identificar que a informação do cantor não passa de pura cascata, pois o maior vendedor de discos da história da música brasileira (Roberto Carlos) vendeu, em 50 anos de carreira, algo próximo a 100 milhões de cópias. Como alguém pode apresentar metade desse desempenho em apenas uma semana, com um único trabalho?

Digo isso porque, passando o olho nesta noite de folia pelo noticiário de carnaval da internet, vi uma reportagem do portal jornalístico de maior audiência do país dando conta que o bloco Galo da Madrugada, o principal do carnaval do Recife, atraiu neste sábado um contingente de 1,5 milhão de pessoas. Não há, na matéria, qualquer referência quanto à fonte que baseia esse cálculo, nem mesmo se foi uma conta feita no olhômetro de algum responsável pela segurança do evento. Nada. Há apenas a afirmação curta e grossa: "cerca de 1,5 milhão de pessoas". Tudo bem.

Tudo bem coisíssima nenhuma! Caso a criatura que passou a nota para a redação (repórter), ou a que transcreveu a notícia (redator), ou mesmo a que aprovou o texto antes de publicá-lo (editor), tivesse o trabalho "hercúleo" de ir ao site do IBGE, veria que a população da capital pernambucana tem, segundo estimativas populacionais aferidas em 2008, pouco mais de um milhão e meio de habitantes. Cacete, como é possível isso? Se a informação do portal, por um assombro da natureza, estiver correta, significa dizer que TODOS OS SERES HUMANOS (literalmente) que habitam a cidade do Recife se deslocaram para três ou quatro quarteirões da cidade a fim de acompanhar um único bloco de carnaval.

Ou seja, se uma mulher, naquele momento, estivesse prestes a dar a luz, teria que esperar um obstetra da cidade voltar da farra do Galo, onde todas as outras pessoas localizadas na mesma cidade (obstetras ou não) também estariam. Isso se a própria mulher prenha não estivesse também saltitando no frevo recifense. Pode? Não, é claro. E não adianta vir com a tese de que o carnaval do Recife atrai seus milhares de turistas nesta época do ano, porque nem mesmo uma leva de 500 mil forasteiros (num chute otimista) seria suficiente para bancar uma informação como a que circula hoje em inúmeros sites do país. Supondo que Recife tenha abarcado realmente meio milhão de turistas ao mesmo tempo no seu carnaval e que todos eles tenham se deslocado para o Galo da Madrugada, seria preciso que 2/3 da população local - incluindo idosos, crianças, deficientes e inválidos - também tenham optado por dançar o frevo atrás do famoso bloco. Isto, sob quaisquer circunstâncias ou pontos de vista, é absolutamente impossível.

Por que é tão difícil para jornalistas checar informações que parecem tão estranhas à primeira vista? Será mesmo só preguiça, vacilo profissional? Ou haveria algum interesse por trás de números inflados, projeções irreais, estimativas inchadas? Será que é impossível para um jornalista se dar conta que não há chance de todos os habitantes de uma cidade, seja ela uma metrópole ou um vilarejo, se aglomerarem num único espaço, por um mesmo motivo? Estariam eles levemente alcoolizados como eu?

2 comentários:

Rodrigo Polito disse...

Fala, Oldão!

Passei aqui na segunda-feira de carnaval, durante a minha mini-ressaca e antes de abrir a minha primeira latinha do dia.

Po, concordo verticalmente contigo! Não existe a menor preocupação em checar esses números. Se o repórter quisesse falar 1,2 milhão de pessoas daria na mesma... E olha que a diferença (300 mil pessoas) já supera a população da minha querida Nova Friburgo...

abração e nos vemos mais tarde em algum bloco!

PS: Coloca aquela peruca rosa de novo porque ficou sensacional!! hahaha

Unknown disse...

É isso aí, tá uma preguiça geral, uma falta de informação e, pior, de noção (no sentido estrito da coisa). Gente para quem milhão ou bilhão é apenas questão de trocar uma letra :)
bjo