quarta-feira, 9 de julho de 2014

A mãe de todas as tragédias para o futebol brasileiro


A ficha ainda não caiu totalmente. Como diz o clichê: será um processo longo e doloroso. Mas esse dia seguinte está sendo bem duro. Nessas horas em que o cenário de terra arrasada em ruas, esquinas e praças de norte a sul do país nos transforma quase em zumbis de "Walking Dead" por algum tempo – dias, meses? –, o sentimento coletivo dominante pode ser resumido em algo como MAS O QUE DIABOS FOI AQUELA DESGRAÇA, GENTE?

Não dá pra responder essa pergunta hoje, nem amanhã, talvez nem nos próximos sessenta anos. Não há software capaz de absorver o impacto de um asteroide como o que colidiu ontem no estádio do Mineirão e projetar no longo prazo seus efeitos sobre uma sociedade complexa e intrincada como a brasileira, cuja imagem para o mundo é calcada muito em cima dos êxitos dentro de campo. Não há vidente com tamanha capacidade de antevisão capaz de dizer, hoje, o que será do futebol brasileiro e do país do futebol (sic) depois de ontem, a partir de hoje.

Foi 7 a 1, amigo. SETE a um. Em casa. Numa Copa do Mundo. Numa semifinal de Copa do Mundo. Foram quatro gols em seis minutos. Acredito que nem os reservas do Goytacaz disputando a Série B do Campeonato Carioca se apresentariam com tamanha letargia a ponto de tomar quatro gols em seis minutos. Nunca vi, em cerca de 30 anos acompanhando apaixonadamente futebol, uma derrota como a de ontem. Acho que ninguém nunca viu nada como ontem em se tratando do maior esporte do mundo. Foi um tsunami de estragos cataclísmicos.

Os jornais, cujas capas deste amargurado day after já se apresentam como históricas, utilizam de todo o cartel possível de termos para desenhar o tamanho da porrada sideral: vergonha, vexame, humilhação, trauma, indignação, dor, revolta, frustração, irritação, pena, desilusão, fracasso, fiasco, pesadelo... O Houaiss pode ajudar a quem quiser com mais e mais sinônimos. E todos eles, juntos, parecem insuficientes para dimensionar a maior derrota da história do futebol brasileiro – talvez mundial, pelo menos em termos de magnitude global.

Questões táticas são fundamentais em qualquer abordagem sobre este Brasil 1 x 7 Alemanha, embora não encerrem o assunto. Vimos um bando alheio contra um time excelente em uma não partida. Jogadores fora de posição, perdidos enquanto conjunto, totalmente desarticulados, fisicamente frágeis e tecnicamente incapazes. Sim, foi tudo isso ao mesmo tempo, mas foi muito mais do que apenas isso. Porque uma derrota de sete a um entre dois gigantes numa decisão em Copa do Mundo traz em si o imponderável, aquilo que não podemos mensurar em números nem visualizar em esquemas de jogo.

Dito isso, a César o que é de César: o técnico Luiz Felipe Scolari ficará marcado como o mentor de um dos piores times que já envergaram a camisa amarela da Seleção Brasileira de Futebol. Não obstante sua insistência na convocação e escalação de jogadores que há muito não produzem em seus clubes, Felipão mostrou-se incapaz de armar uma equipe minimamente competitiva frente a adversários medianos no cenário internacional – caso de Chile, Croácia e México. Não vimos sequer um esboço do que poderia e deveria ser um Brasil disputando uma Copa em casa. Dependentes todo o tempo do gênio novato Neymar e da dupla de zaga David Luiz-Thiago Silva, nos revelamos limitados para uma competição de alto nível.

Noutra via, ficou claro a desatualização do futebol pentacampeão mundial se comparado ao de dezenas de outros centros – e não há vitrine mais apropriada para exibição do que se joga hoje no mundo que uma Copa. A impressão que todos os brasileiros tiveram ontem ao final do massacre é que, para além de um time melhor, com jogadores melhores, a Alemanha pratica algo anos-luz à frente do que o Brasil pode apresentar. E dá calafrios pensar que o modelo de jogo é a ponta de um imenso iceberg que envolve a busca por talentos, a criação de condições para o desenvolvimento dos atletas, um mercado pujante e clubes fortes, tudo estruturado numa política objetiva da confederação nacional. Estamos alijados desse mundo.

Foram muitos os que imaginavam a possibilidade da repetição do Maracanazo de 64 anos atrás como o mais terrível dos cenários em caso de uma nova decisão. Na prática, o Brasil – ironia dura de se engolir – sequer pisou no gramado do mais famoso estádio brasileiro durante a sua segunda Copa em casa, mas mesmo assim chegou ao ápice em termos de desfecho trágico. Porque nem no mais pessimista dos cenários, nem nas projeções mais sombrias, houve espaço para a possibilidade de uma eliminação por 7 x 1, independentemente do adversário e das dificuldades. A realidade se revelou mais surrealista e amarga que qualquer praga de black bloc.

Todos os erros do time, todos os vícios da comissão técnica, todas as falhas estruturais do futebol brasileiro, todo o check list de problemas que culminaram na tragédia do Mineirão serão alvo do escrutínio público de analistas esportivos, sociólogos, historiadores e comentaristas de redes sociais por muitas décadas. Haverá tempo de sobra, entre uma volta por cima e outra, para tratar a fundo do nosso 11 de setembro moral. Fato é que a Seleção Brasileira de Futebol, o time da camisa das cinco estrelas, sai menor do que entrou nesta excepcional "Copa das Copas" – que para nós será sempre a "Copa dos 7 a 1".

Na impossibilidade de voltar pra casa, fica a necessidade de reconstruir o nosso quintal a partir dos escombros que sobraram do fatídico 8 de julho de 2014. Não será um trabalho fácil, tampouco rápido. Mas se trata de um arregaçar de mangas inescapável. É preciso, de hoje em diante e em todos os sentidos, recriar o futebol brasileiro.

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